22- O COMEÇO DA DÉCADA DE 60
Em janeiro de 1961, Jânio Quadros, o candidato do meu
pai, tomou posse na presidência da República. Começou aí a ser desmontado o
castelo de sonhos que toda a população brasileira vinha acumulando durante os
anos 50. Seu governo, pífio, duraria até 19 de agosto, quando renunciou ao
cargo, para espanto da nação e decepção dos seis milhões de eleitores que
haviam votado nele. Algumas denúncias acusavam-no de gestar um plano de
perpetuação no poder, principalmente de Carlos Lacerda, seu principal opositor.
Havia também o descontentamento dos militares e principalmente dos Estados
Unidos, pelo fato de que ele se aproximava de Cuba, revelando uma certa
independência aos conselhos americanos.
E ainda não sabíamos que começara ali,
lentamente, nos quartéis, um movimento para se tomar, à força, o país.
Meu pai ficou horrorizado e parecia
pressentir que aquilo tudo não ia acabar bem.
Eu tinha onze anos e já acompanhava
política com muito interesse. Lia as notícias nos jornais e nas revistas e era
também atento aos noticiários radiofônicos. Ansioso como todo o Brasil,
acompanhei o movimento de Brizola no Sul, tentando garantir a legalidade e a
posse de João Goulart, o vice-presidente. Lembro-me de o meu pai comentar em
casa sobre o risco da guerra civil. Pedi a ele que me explicasse o significado
daquele termo, e ele me falou que seria uma guerra de brasileiros contra
brasileiros, de irmãos contra irmãos. Torci para que isso não acontecesse.
Valeu, pelo menos durante um curto período de tempo, o bom senso: uma tentativa
de reorientação política foi feita através da experiência parlamentarista. Não
deu certo, porque a nossa vocação é presidencialista. Um plebiscito popular, em
6 de janeiro de 63, devolveu ao Brasil o antigo sistema de governo. Com o apoio
popular, João Goulart poderia governar de fato, como presidente
constitucional.
Foi, no entanto, um período de muita
crise. O Brasil enfrentava sérios problemas sociais A inflação assustadora
bateu nos 52% em 1962, indicando caminhos negros para a nossa economia. Goulart
tentou impor o seu plano de metas, as “Reformas de Base”, como forma de retomar
as rédeas do país. As medidas antiinflacionárias logo se tornaram impopulares,
implicando fortíssima contenção de despesas, aperto no crédito e arrocho
salarial, principalmente do funcionalismo público.
Nesse período ouvi falar pela primeira
vez em Movimento Estudantil. A UNE (União Nacional dos Estudantes) saiu em
apoio às “Reformas” e pediu a reestruturação das universidades. Lembro-me de
ler nos jornais notícias de manifestações estudantis em todo o Brasil. Aquilo
começou a despertar em mim uma vontade imensa de participar.
Lembro-me de meu pai falando também da
“Reforma Agrária”. Pela primeira vez eu ouvia falar daquilo e descobri que ali
poderia haver um foco revolucionário. Lia tudo isso ávida e precocemente nas
páginas de O Cruzeiro.
Tudo aquilo culminou no Golpe Militar de
31 de março de 1964, fato que jogou o país nas trevas da ditadura. Os sonhos de
minha geração se desvaneceram. Lembro-me do dia amanhecendo nublado, das
estações de rádio censuradas divulgando notícias dos militares e dos tanques,
nas ruas de Matozinhos, sendo transportados como reforço para Brasília.
Lembro-me de sair para comprar pão e de ver o “Cachorro-Quente”, no centro da
cidade, cheio de militares tomando o café da manhã. Lembro-me à tarde, de Dênio
Moreira, jornalista da TV Itacolomi, fazendo um depoimento de apologia ao
“Golpe”. Lembro-me do meu pai, em dúvida, se apoiava ou não aquilo tudo.
Quando tudo aquilo aconteceu, culpei
Jânio Quadros. Tive raiva de um dia ter botado no peito aquele broche da
vassourinha. Tive raiva porque ele decepcionou meu pai, seu eleitor convicto.
Tive raiva porque, se ele não tivesse renunciado, talvez contivesse a crise que
o ameaçou em algum momento e que culminou naquele estado de coisas.
Uma vez comentei com Chiara a minha
decepção, e ela me alertou para a imperfeição dos homens, dizendo que tudo isso
é também parte de um processo evolutivo. Ainda não sabíamos quanto tempo
durariam os governos militares.
É impressionante que, mesmo assim, a
década de 60 seja lembrada como inigualável. Para mim, com certeza foi, e
delicio-me em imaginar como teria sido se tivéssemos uma democracia no Brasil.
Eu seria absurdamente feliz: eu amadurecia, tinha Chiara de volta, crescia com
muitos amigos ao meu redor, e nada poderia ser melhor que isso. Talvez fosse
tão bom por causa de Chiara. Ela era inigualável.
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