sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

22- O começo da década de 60



22- O COMEÇO DA DÉCADA DE 60







Em janeiro de 1961, Jânio Quadros, o candidato do meu pai, tomou posse na presidência da República. Começou aí a ser desmontado o castelo de sonhos que toda a população brasileira vinha acumulando durante os anos 50. Seu governo, pífio, duraria até 19 de agosto, quando renunciou ao cargo, para espanto da nação e decepção dos seis milhões de eleitores que haviam votado nele. Algumas denúncias acusavam-no de gestar um plano de perpetuação no poder, principalmente de Carlos Lacerda, seu principal opositor. Havia também o descontentamento dos militares e principalmente dos Estados Unidos, pelo fato de que ele se aproximava de Cuba, revelando uma certa independência aos conselhos americanos.

        E ainda não sabíamos que começara ali, lentamente, nos quartéis, um movimento para se tomar, à força, o país.

        Meu pai ficou horrorizado e parecia pressentir que aquilo tudo não ia acabar bem.

        Eu tinha onze anos e já acompanhava política com muito interesse. Lia as notícias nos jornais e nas revistas e era também atento aos noticiários radiofônicos. Ansioso como todo o Brasil, acompanhei o movimento de Brizola no Sul, tentando garantir a legalidade e a posse de João Goulart, o vice-presidente. Lembro-me de o meu pai comentar em casa sobre o risco da guerra civil. Pedi a ele que me explicasse o significado daquele termo, e ele me falou que seria uma guerra de brasileiros contra brasileiros, de irmãos contra irmãos. Torci para que isso não acontecesse. Valeu, pelo menos durante um curto período de tempo, o bom senso: uma tentativa de reorientação política foi feita através da experiência parlamentarista. Não deu certo, porque a nossa vocação é presidencialista. Um plebiscito popular, em 6 de janeiro de 63, devolveu ao Brasil o antigo sistema de governo. Com o apoio popular, João Goulart poderia governar de fato, como presidente constitucional. 

        Foi, no entanto, um período de muita crise. O Brasil enfrentava sérios problemas sociais A inflação assustadora bateu nos 52% em 1962, indicando caminhos negros para a nossa economia. Goulart tentou impor o seu plano de metas, as “Reformas de Base”, como forma de retomar as rédeas do país. As medidas antiinflacionárias logo se tornaram impopulares, implicando fortíssima contenção de despesas, aperto no crédito e arrocho salarial, principalmente do funcionalismo público.



        Nesse período ouvi falar pela primeira vez em Movimento Estudantil. A UNE (União Nacional dos Estudantes) saiu em apoio às “Reformas” e pediu a reestruturação das universidades. Lembro-me de ler nos jornais notícias de manifestações estudantis em todo o Brasil. Aquilo começou a despertar em mim uma vontade imensa de participar.

        Lembro-me de meu pai falando também da “Reforma Agrária”. Pela primeira vez eu ouvia falar daquilo e descobri que ali poderia haver um foco revolucionário. Lia tudo isso ávida e precocemente nas páginas de O Cruzeiro.



        Tudo aquilo culminou no Golpe Militar de 31 de março de 1964, fato que jogou o país nas trevas da ditadura. Os sonhos de minha geração se desvaneceram. Lembro-me do dia amanhecendo nublado, das estações de rádio censuradas divulgando notícias dos militares e dos tanques, nas ruas de Matozinhos, sendo transportados como reforço para Brasília. Lembro-me de sair para comprar pão e de ver o “Cachorro-Quente”, no centro da cidade, cheio de militares tomando o café da manhã. Lembro-me à tarde, de Dênio Moreira, jornalista da TV Itacolomi, fazendo um depoimento de apologia ao “Golpe”. Lembro-me do meu pai, em dúvida, se apoiava ou não aquilo tudo.

        Quando tudo aquilo aconteceu, culpei Jânio Quadros. Tive raiva de um dia ter botado no peito aquele broche da vassourinha. Tive raiva porque ele decepcionou meu pai, seu eleitor convicto. Tive raiva porque, se ele não tivesse renunciado, talvez contivesse a crise que o ameaçou em algum momento e que culminou naquele estado de coisas.

        Uma vez comentei com Chiara a minha decepção, e ela me alertou para a imperfeição dos homens, dizendo que tudo isso é também parte de um processo evolutivo. Ainda não sabíamos quanto tempo durariam os governos militares.

        É impressionante que, mesmo assim, a década de 60 seja lembrada como inigualável. Para mim, com certeza foi, e delicio-me em imaginar como teria sido se tivéssemos uma democracia no Brasil. Eu seria absurdamente feliz: eu amadurecia, tinha Chiara de volta, crescia com muitos amigos ao meu redor, e nada poderia ser melhor que isso. Talvez fosse tão bom por causa de Chiara. Ela era inigualável.


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