domingo, 24 de fevereiro de 2013

45- Conhecendo o mar.



45- CONHECENDO O MAR




Conheci o mar com vinte anos. Fiquei estupefato. Meus novos amigos de Belo Horizonte preocuparam-se com o fato, tão logo eu lhes contei que não conhecia. Estávamos, nesse dia, numa aula com o professor Lodi. O ponto de partida do assunto foi eu comentar, com minha inexperiência matozinhense, que não conhecia metade dos nomes de artistas que havia passado a conhecer na Universidade.
- Vamos lá interiorano - brincou Selma Michalik, uma colega muito bonita que eu tinha no início do curso – conta mais aí, do que você não conhece.
Assustaram-se quando eu disse que não conhecia o mar. Assustaram-se também quando eu contei que conhecera uma escada rolante apenas no ano anterior, que tinha medo de entrar sozinho em elevadores e que nunca tinha tomado um milk-shake. Respeitaram-me quando eu contei dos brinquedos que eu tive e que eles, rapazes e moças da cidade grande, nunca pensaram ter. É a lei da compensação. Eu sabia que havia tido experiências insuperáveis: namorar - menino ainda – M... e E...; comer doce de talo de mamoneiro; beber refresco de jabuticaba feito na hora ou chupar jabuticaba no pé, comer arroz com pequi... E nem precisei contar a maior de todas: minha vida com Chiara.
A notícia de que eu não conhecia o mar correu. Marília contou para Sandra, que contou para Júlio Espíndola, que contou para Erenice Picinim (ele do quarto ano e ela do segundo). Éramos uma coisa só na Escola de Belas Artes. Não havia distinção de turmas. Éramos todos amigos porque a escola funcionava num prédio pequeno e acolhedor. Todos freqüentavam as salas de todos e, nos primeiros dias, por exemplo, eu já conhecia todo mundo, sabia todos os nomes.
Erenice me convidou, então, no recesso escolar do primeiro semestre, a ir conhecer o mar. Sua família tinha uma casa numa prainha pequena chamada Muriqui, no Espírito Santo. Fomos eu, ela e Júlio. Eu, com minha ansiedade, recebia um grande presente dos dois. Conhecer o mar era um antigo sonho desde a infância em Matozinhos, em que eu, criativo, inventava histórias de seres do mar, piratas e navios.
Chegamos numa sexta ao anoitecer. Eu teria que esperar a manhã seguinte para minha experiência. Naquela noite fui vê-lo de longe. Com temor e respeito. Chovia.
Mesmo não sendo a praia iluminada, pude senti-lo com sua imensidão de ondas quebrando espumosas na areia. Senti o incomparável cheiro de maresia pela primeira vez. Jantamos à beira-mar, num restaurante simples e acolhedor: um risoto de mexilhões.
Naquela noite custou-me pegar no sono. Queria que Chiara estivesse ali no dia seguinte, acompanhando minha primeira experiência de entrar no mar. Queria que ela estivesse sempre participando de tudo que me era importante.
Da casa de Erenice podia-se ouvir o ruído noturno do mar. Lembrei-me de histórias de castelos assentados em penhascos e com as ondas violentas acossando as pedras. Lembrei-me do “Conde de Arimatéia”, um personagem de histórias em quadrinhos que eu fazia em criança, nas minhas primeiras tentativas, incentivado por Chiara. Ela ditava-me em sonhos o que eu devia desenhar. O nome do personagem era sugestão dela. Ele morava num desses castelos à beira de penhascos. Suas histórias aconteciam sempre à noite.
A manhã seguinte, a despeito da chuva da noite, estava luminosa e radiante. Tomamos café e fomos para a praia. Não tenho palavras para expressar o que é a primeira sensação de entrar devagar no mar, receber no corpo as primeiras ondas e ter no horizonte aquela linha que separa água e céu. Depois, à medida que se avança mais, as ondas maiores, o medo passando a uma coragem tímida, e a coragem maior depois de tentar um mergulho, furar a onda e sentir aquele aguaceiro esparramando-se em nosso corpo como se fizéssemos naturalmente parte daquilo, daquela bênção da natureza. O primeiro contato é mágico.
Foi um dos dias mais felizes de minha vida! Devo a Erenice e a Júlio o prazer desse dia. À tarde, eu voltei ao mar. Estava mais seguro. Arrisquei mais. Mesmo não sabendo nadar, eu ia até onde dava pé.
Ficamos três dias prazerosos, mas que passaram rápido.
Na volta, em Matozinhos, busquei a alegria de contar para Chiara. Estávamos ainda em recesso. Ela se encontrava na cidade. Ela parecia saber que eu queria contar. Apareceu lá em casa. Conversamos muito, e eu pude falar de minha alegria. Ela, feliz, disse-me que sabia que aquela seria uma das maiores emoções de minha vida quando acontecesse. Aconteceu, e haveria muitas outras. Disse-me, ainda, que no futuro eu iria morar numa cidade à beira-mar. Como é que ela podia saber? Pergunto-me sempre.

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