terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

26- Novos fatos



26- NOVOS FATOS





Três fatos marcaram aquele ano de 1962. O primeiro deles foi encontrar Chiara em Sete Lagoas, confirmando o que ela havia dito; o segundo, o caso das luzes no céu e da sensação estranha de que algo tivesse me invadido o sono naquela noite, com o primeiro momento repetindo a experiência de meu tempo de criança na Usina, uma vez, ao ver as luzes do bambuzal. O terceiro se deu em julho, dia 22, um domingo, quando eu, Laura e Tomaz fomos a Ouro Preto. Acompanhávamos o Sr. Garrido e família, um espanhol amigo de Tomaz, que à época trabalhava com ele na Cominci. A referência certa da data deve-se ao fato de eu ter começado a anotar em um caderno, tudo que me acontecia de anormal.
        A primeira coisa que se faz quando se chega a Ouro Preto é buscar a Praça Tiradentes, o centro da cidade. Lá se encontram o Museu dos Inconfidentes, a Casa da Baronesa e a Escola de Minas com seu Museu de Mineralogia. Esses três locais são referências de entrada para o turista, que só depois de visitá-los, começa a tomar as ruas paralelas e laterais onde se encontram as principais igrejas históricas. Mesmo quem vai constantemente a Ouro Preto, como até certo ponto eu fazia (inúmeras excursões com as turmas de escola e ginásio), quase sempre mantém esse roteiro.
        Naquela tarde de domingo rompi com o costume. Avisei a minha irmã que sairia sozinho, confirmando que o carro do meu cunhado continuaria estacionado ali na praça. Desci uma rua lateral que me conduziu até a porta da Igreja de São Francisco de Cima. Tradicionalmente, o adro dessa igreja, aos domingos, transformava-se - e acho que é assim até hoje - numa minifeira hippie, onde se vende de tudo: redes do Nordeste, cachaças de Minas, pedras semipreciosas, réplicas em pedra-sabão dos profetas de Congonhas, potinhos, vasinhos, taças, cinzeiros e panelas também de pedra-sabão. Alguma coisa me levou à barraca de um velho hippie que esculpia em cedro, imitações de carrancas de barcos. Quando cheguei perto da barraca, sua companheira, uma hippie gorda, porém mais jovem do que ele, levou as mãos aos meus olhos tapando-os e disse com uma voz sussurrante:
        - Tão novinho e já tem um amor! Ela é, e ao mesmo tempo não é, a mulher de sua vida. Só não se confunda, porque ela nunca poderá ser sua. Você tem que amá-la como a uma irmã e ser paciente, porque vocês ainda estarão juntos em muitos momentos da vida. Não exija dela, mais do que ela pode te dar.
        Dito isso, aspergiu-me um incenso adocicado, bimbalhou uns sininhos que trazia nas mãos e sorriu como se dissesse: “Vá em paz”.  Estranho, muito estranho!
       
        Aquilo me atordoou. Sentei-me ali num murinho de pedras para organizar os pensamentos. De repente um vozerio me chamou a atenção. Um grupo de moças descia a rua fazendo a algazarra típica das excursões. Assustados, os pombos que viviam no adro, tranqüilos entre os passantes, levantaram vôo em intenso alarido, todos ao mesmo tempo. O ruflar de suas asas cresceu na minha audição, multiplicado muitas vezes. Depois, estranho, eles voaram em círculos até o grupo de moças. De repente tudo isso começou a ocorrer numa velocidade menor que o normal, como se fosse um fato se passando em um sonho. À frente do grupo de moças, uma delas, quase ruiva, chamou-me a atenção por ter me olhado de um modo que se assemelhava ao modo como Chiara menina me olhava. Fisicamente não eram parecidas. Essa moça era mais alta, vestia-se de um modo diferente e usava aparelho nos dentes. O olhar, no entanto, era o mesmo, tenho certeza.
        Movido não sei por que, levantei-me e tentei caminhar em direção ao grupo. Imediatamente, uma mulher mais velha, uma professora talvez, chamou-as, e elas voltaram correndo para a praça. Os pombos, lentamente, um após o outro, voltavam a pousar no chão entre os passantes. Em volta, as pessoas continuaram fazendo o que faziam, como se não tivessem notado nada do que aconteceu, ou como se houvessem congelado aquele pedaço de suas vidas enquanto eu tive minhas sensações. Surpresa foi ver aquela moça se virar e me olhar.
        Nunca consegui entender por que Chiara me “aparecia” assim, inesperadamente. Repito, uma vez eu desisti de tentar entender. Era inexplicável que, tendo refeito os contatos comigo, ainda aparecesse assim, misteriosamente, por meio de códigos indecifráveis.
        Subi à praça em busca do grupo de moças. Reconheci alguns rostos daquele grupo perto de um ônibus de excursão. Passei ali, olhando rosto a rosto, tentando enxergar dentro do ônibus, e nada. Eu a havia perdido. Na minha vida, no futuro, eu teria outras sensações iguais àquela.

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