terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

40- O fim da década de sonhos



40- O FIM DA DÉCADA DE SONHOS


Os últimos cinco anos da década de sessenta foram marcantes. A década inteira, como já disse, de uma maneira geral foi transformadora, e minha geração se privilegiou por ter amadurecido em seu desenvolvimento. O Brasil e o mundo modificaram-se com uma velocidade imensa e uma amplitude que a tornavam incomparável às décadas anteriores, ou melhor, a todos os mil novecentos e cinqüenta e nove anos que a antecederam. Não fossem os militares, que atrasaram em décadas as conquistas de nossas pesquisas expulsando nossos melhores cientistas, seríamos melhores ainda. Pena... irremediável, já que o tempo não volta, e o estrago não tem conserto!
Venci - naquele final de década - minhas crises de adolescência, escrevi bons versos e abri o peito para enfrentar o mundo. Tive amores (muitos) que me deram alegria e tive um amor enorme e diferente por uma amiga, que foi um privilégio sem medidas, muito embora me custasse entender os limites desse amor. Quando compreendi, mais tarde, senti-me abençoado mesmo assim.
1967 estava sendo um ano muito louco para mim. Minhas experiências com namoradas se intensificaram e ganhei ternura e maturidade. Maturidade também se ganha através de fracassos. E eu os tive, descobrindo que não era um super-homem. Meus ganhos pessoais ultrapassaram esse limite do nível amoroso para forjar uma estrutura forte que daria seqüência à minha vida. Meus ganhos intelectuais também foram incomensuráveis, principalmente porque senti a definição profissional de minha vida, com toda a certeza. Já sabia que queria fazer o curso de artes.
Apesar de estarmos vivendo o garroteamento das liberdades pessoais no Brasil com o regime militar, culturalmente o Brasil se agigantava, criando uma geração incomparável na MPB, no cinema, no teatro, na literatura e nas artes plásticas. Em Matozinhos, brincávamos na praça, eu, Aluízio, Tanius, João, Zeca e Ângelo, de “Essa Noite se Improvisa”, (*) competindo para ver quem tinha mais memória, quem sabia mais música brasileira, da “boa”, diga-se de passagem. Passáramos, eu e meus amigos próximos, ao largo da insipidez neutra da Jovem Guarda. Roberto Carlos, para nós, servia apenas para criar um clima de namoro nos bailinhos do Itamaraty.
Estimulava-nos a nova geração de nomes surgida nos festivais da canção, principalmente naquele ano, considerado o maior de todos esses eventos, ano inclusive, em que foi lançado o movimento “tropicalista” na música brasileira, tudo a ver com a nossa sede de novidades. Deliciamo-nos.
No mundo, tivemos a grande tristeza do assassinato do “Che”, grande ídolo de todos nós nas selvas bolivianas. Perda irrecuperável! Mais ódio ainda à arrogância norte-americana!
E 1967 me reservaria ainda algumas outras boas surpresas. Nesse ano, no mês de março, nasceu Cláudia Mercedes, a minha quarta sobrinha. Era a primeira filha do meu irmão Zezé, que se casara em 66, com Marlene, uma cunhada de quem eu gosto muito. Laura já nos dera Elizabete, Elizete e Mathias. Margarida (Nem) casava-se com José Lana (Zizi) de Pedro Leopoldo, nossa cidade vizinha. Éramos felizes, amigos, unidos e cada vez mais cruzeirenses. Nesse tempo ainda não haviam nascido os netos atleticanos. Todos respeitavam a vontade e o sonho de Zé do Armazém: uma família inteira de cruzeirenses. Se vivo, hoje, meu pai com certeza, debocharia daqueles que não o seguiram. O Atlético não ganha nada, há anos.
Naquele ano, meu pai foi sorteado, para surpresa de todos nós, com um fusca no “Baú do Sílvio Santos”, programa de prêmios de um canal de tevê de São Paulo. Combinamos que Tomaz, meu cunhado, por ser paulista e por conhecer a cidade, representaria meu pai na entrega do carro. Meu pai não sabia dirigir.
Aquele ano foi também o último ano dos grandes carnavais. A música “Máscara Negra”, de Zé Kéti e Hildebrando Pereira Matos, foi o estrondoso sucesso daquele carnaval e de muitos dos seguintes, enquanto houve ainda uma sombra ou mesmo uma pálida lembrança dos carnavais como deviam ser. O verso “vou beijar-te agora/ não me leve a mal/ hoje é carnaval”, ajudou muito os tímidos e os contidos a darem o beijo desejado na parceira de dança. Eu, beijei muitas, ouvindo e dançando essa música. Afinal, tudo era carnaval.
(*) Programa de entretenimento musical dos anos 60, levado ao ar pela extinta TV Excelsior, sob o comando do jornalista paulista Blota Júnior. O programa convidava semanalmente cantores e cantoras em evidência na música brasileira para um concurso e uma espécie de teste de memória. Ao sinal de uma palavra eles deveriam se lembrar de uma música que a contivesse, ganhando aquele que somasse, ao fim da noite, mais pontos.

Um comentário:

  1. Cada vez mais eu tenho a certeza de que nasci na época errada...Como posso sentir tanta saudade de algo que não vivenciei???

    Lembro que, na quarta série, escrevi um manifesto comunista...A pobre da minha mãe quase teve um troço, quando percebeu esse meu lado "rebelde" e me explicou que aquilo era algo muito sério, que eu poderia colocar toda a nossa família em risco, se continuasse a expressar essas ideias...É, eu já nasci (1972) com uma "mordaça" na boca! Mesmo assim, a minha geração ainda conseguiu se beneficiar com as "migalhas" da festa de vocês!

    Que privilégio teres vivido tudo isso, Geraldo! Obrigada por dividir essas experiências maravilhosas conosco! Mas o fascínio que tenho em relação a esse período é proporcional ao pavor que sinto, quando penso que pessoas como vocês são cada vez mais raras. Não queria ser tão pessimista, mas sou!

    Sigo acompanhando "Chiara"...Bjs!

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