42- BRASIL:
AME-O OU DEIXE-O
Janeiro de 1970 começou e trouxe aquele que foi o
primeiro “Vestibular Único” da história da educação brasileira. Eu fui o único
matozinhense a passar naquele ano, apesar da ótima base dos meus amigos de
científico (Tanius, Aluízio, João, Joel, Nôca, Bené, Romeu, Zé do Prado,
Pascoal, etc.). Devo muito disso a Chiara. Passei para o curso de artes da
UFMG, um dos melhores cursos do país e vi que à minha frente havia um longo e
promissor horizonte. Fui muito bem em Português, História e Geografia. Fui
razoável em Inglês, Estudos Sociais e Biologia. Fui péssimo em Matemática,
Química e Física. Os bons resultados equilibraram-se com os maus, e meu nome
surgiu na lista dos vitoriosos, um dos últimos da lista, mas aprovado. Esperava-me,
no entanto, o pior: do último ano do Científico, duas segundas épocas: em
Química e Física. Que sufoco! Senti que, se bobeasse, perderia a minha chance e
minha vaga. Fui para a luta. Chiara apareceu um dia como um anjo para me ajudar
e me ajudou muito. Juracy, meu amigo, também foi fundamental: com paciência e
habilidade, ajudou-me a entender as tabelas periódicas, quadros de valências e
toda aquela massa de coisas incompreensíveis.
Não escapei de um deboche de Chiara me inquirindo
sobre o beijo inesperado em Maria Goretti no carnaval. Coloquei-lhe a culpa por
não ter aparecido, e ela, rindo, disse que, com certeza, mesmo que não
confessasse isso, Maria Goretti deveria ter gostado. Afinal, com aquela idade
ainda não tivera namorado, e eu não era de se jogar fora. Ela não sabia o que
estava perdendo.
Venci o monstro da segunda época. Belo Horizonte podia
começar a me esperar. A partir dali ninguém me segurava.
Comecei ali, em março, na Escola de Belas Artes da
UFMG, um dos períodos mais felizes de minha vida. Chiara prometera-me espalhar
anjos auxiliares para estarem comigo. Dois deles surgiram-me no meu primeiro
dia: Joyce Brandão e Sandra Bianchi, até hoje, minhas amigas queridas, minhas
irmãs do coração e duas pessoas fundamentais para que eu me sentisse bem,
seguro e capaz de superar as dificuldades dos primeiros dias em Beagá.
De certo modo, fui adotado pela minha turma,
predominantemente feminina. E como eu adoro mulher, achei ótimo ter aquele
bando de mulheres bonitas dando-me atenção. De homens, no primeiro ano do
curso, só eu, Lúcio Bahia e Heraldo. As outras meninas, ótimas, também viraram
minhas irmãs, e irmãs não se paqueram.
Logo nos primeiros dias, fiz também amizades com
professores: Pierre, Pompéia, Zé Neves e Jefferson Lodi, alguns dos meus
professores do primeiro ano.
No entanto, toda a alegria daquele novo começo
obscurecia-se um pouco quando via a situação política do país sufocar cada vez
mais a liberdade do povo. Patrício, um
dos meus amigos da guerrilha pela liberdade, havia sido preso. Uma noite, vi-o
na televisão fazendo um constrangido arrependimento público. Anos difíceis
aqueles “anos de chumbo”. Nelson Vieri, um outro amigo, era um dos nomes mais
procurados. Sua foto nos cartazes de rua me fazia temer. Eles estavam loucos para
pegá-lo.
Enquanto meus amigos eram presos e torturados, a
classe média brasileira vivia seu período de euforia, batendo todos os recordes
de crescimento: 9,5% naquele ano de 70, 11,3% em 71, 10,4% em 72 e 11,4% em 73.
O chamado “Milagre Brasileiro”, com a expansão do mercado interno, a novidade
de um sistema de crédito sedutor e uma política desenvolvimentista que
incentivava a indústria, passava a falsa idéia de que éramos um país
maravilhoso, país que a propaganda ufanista divulgava nos adesivos dos automóveis:
“Pra Frente Brasil”, “Ninguém Segura este País” e “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Propagandas, que “O Pasquim”, um semanário combativo de esquerda, rebatia com a
piada: “e o último a sair, apague a luz do aeroporto”.
Pelo menos, apesar das dificuldades, não perdêramos o
humor. Isso ajudava a enfrentar os momentos mais difíceis.
E houve também outros momentos bons: o tri-campeonato
de futebol no México foi um deles. Muita festa e a certeza de que era uma pena
um país como o nosso ter aquele tipo de governo que não queríamos. Não
queríamos e afrontávamos com pequenos atos de desobediência civil como beber
cerveja em garrafa de guaraná na véspera e no dia de eleições, quando era
proibido. Naquele ano houve eleições para senadores, deputados federais, deputados
estaduais e vereadores. Contrariei meu pai, arenista, e votei no MDB.
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