segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

46- A primeira exposição



46- A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO









Em 1971 participei de minha primeira exposição: foi no Instituto Cultural Brasil Estados Unidos, na Rua da Bahia. Aquela mostra deu-me a segurança de saber que aquele era o meu caminho de fato. Vendi ali o meu primeiro quadro: uma xilogravura para o pai de Heloísa, uma colega da escola.

Foi uma coletiva festiva. Participaram dessa mostra: eu, Júlio Espíndola, Beatriz Coelho, Sandra Bianchi, Márcia Piantino, Joyce Brandão, Eliane Alvim, Glaura Pereira, Rosângela Quinaud, Liliane Romanelli, Valéria, Yolanda Misky, Olímpia Couto, Lúcia Marques e Marinês Valadares. Pertencíamos à turma de Gravura de Yara Tupinambá e éramos conhecidos como os mais fanáticos trabalhadores da Escola de Belas Artes.

Aquela exposição fez muito bem para minha auto-estima. Quando ela foi programada, corri a contar para minha amiga Chiara. Encontrei Maria Goretti no centro da cidade, na Avenida Afonso Pena. Eu estava muito feliz. Maria Goretti cumprimentou-me e disse que tinha certeza de que Chiara também ficaria feliz. Caminhamos juntos como sempre fazíamos, até ao Parque Municipal, local que nós três adorávamos. Chiara surgiu suavemente, com o perfume habitual e o sorriso bonito.

- Já sei, já sei... - ela me cumprimentou rindo, dando-me dois beijos no rosto - Já sei que você tá aí todo bobo porque vai fazer a primeira exposição.

Apenas sorri, porque não conseguia esconder a felicidade. É engraçado pensar hoje, muitos anos depois, que nenhum daqueles meus colegas, nem Yara, minha professora, podiam imaginar o quanto eu fui feliz com aquela nossa primeira mostra. Eu era felicíssimo na escola. Ninguém imaginava isso, muito menos que fosse tanto. Só Chiara sabia. Chiara e minha mãe. Minha mãe, que uma vez me vira chorar quando, pesarosamente, numa fase de crise financeira de nossa família, durante meu primeiro ano, alertou-me para o risco de eu ter que parar de estudar. Fui salvo pelo sacrifício de meu irmão Christiano e devo isso a ele até hoje. Minha mãe me viu chorar aquele dia e disse-me, na época, que nunca imaginou que eu gostasse tanto assim da escola. Chiara sabia, porque sabia tudo de minha vida. E ela externava estar feliz junto comigo.

Na noite da exposição eu estava feliz. Poderia estar mais feliz se Chiara estivesse ali comigo. Eu sabia que nem sempre era possível ela comparecer às minhas festas, acompanhar-me em eventos ou ser meu par nas ocasiões em que eu quisesse. Era pena, mas era assim. Aprendi a me conformar. Tive o consolo de estar rodeado de amigos.

E, naquela noite, aproximei-me de S..., uma colega nova do primeiro ano, que eu sutilmente vinha paquerando. Até então não tivera oportunidade de fazer uma paquera de fato. Faltara o momento certo, e agora ele aparecia. Ela veio falar comigo e eu senti as pernas bambeando, naquela sensação gostosa de ansiedade. Disfarcei porque eu não era bobo e não deixei que ela percebesse. Senti que ela estava gostando de ficar ali comigo e daí pra convidá-la para sair comigo foi um pulo. Ela aceitou, eu fiquei feliz e saímos juntos naquela mesma noite. Inicialmente com boa parte do grupo que resolveu jantar junto e depois eu e ela sozinhos, num barzinho da Rua Maranhão, perto de sua casa, onde pudemos trocar idéias.

No dia seguinte, num sábado, saímos juntos de novo. Fomos ver uma peça: “O Inspetor Geral” de Gogol, com o grupo carioca “Asdrúbal trouxe o Trombone”, no Teatro Marília. Depois, numa extravagância de apaixonado, levei-a para jantar num restaurante fino.

Eu estava entusiasmado. Aprendia ali que era possível eu me apaixonar. Aprendi ali que o sentimento que eu nutria por Chiara podia ser independente daquilo tudo. Eu amadurecia. Compreendia (como ela sempre pedira) que podia ter uma vida normal. Pela primeira vez, eu estava com uma pessoa sem ficar o tempo todo pensando em Chiara.

E o melhor de tudo é que S... correspondia. Mostrou-se também muito feliz por estar comigo. Curiosa, perguntou-me “quem era a moça que de vez em quando me pegava na escola” e sorriu, abrindo a guarda e revelando estar com ciúmes.

Fui sincero e disse para ela um pouco de minha “amiga” Chiara. Ela pareceu compreender. Concordamos que o melhor era falarmos de nós dois.

Aquele namoro teve um desenvolvimento normal como todos os namoros e teve também seus momentos curiosos. No nosso quinto encontro numa quarta-feira. S... que fazia alemão no Instituto Ghöete convidou-me para ir com ela assistir, naquela quarta, ao filme “Morangos Silvestres” de Bergman, em alemão e sem legenda. Eu achei fantástica a fotografia, a expressividade dos rostos dos atores e toda a dimensão lírica do filme. Só que, não entendia patavina de alemão e descobri, com aquela experiência, os grandes sacrifícios que fazemos por amor.

Quando saímos, ela convidou-me para ir com ela na casa de uma tia, na Avenida Alfredo Balena. Sua tia, encantadora, depois de nos oferecer um café, emprestou-nos o carro. S... dirigia bem, fomos a um lugar agradável e tivemos uma noite intensa, que me deixou mais apaixonado ainda.



No dia seguinte encontrei Chiara. Levei-a para tomar um chá numa doceria na Rua Goitacazes. Ela percebeu imediatamente a minha felicidade irradiante.

- Bom te ver assim. Dá pra ler no brilho dos seus olhos que você tá feliz e apaixonado.

- Estou...muito.- Respondi. Quero dizer para você que finalmente compreendi o que você me dizia tanto. Consegui finalmente decifrar o amor que eu sentia por você.

Ela tomou as minhas mãos e beijou-as, da forma carinhosa que lhe era peculiar. Sorriu-me um sorriso lindo e sincero. Eu era feliz de tê-la assim como amiga com quem dividia os meus momentos. Mais feliz ainda eu era quando podia dividir com ela os momentos bons. Sentia-me seguro como nunca me sentira antes. Devia tudo isso a ela.



Pena que meu caso com S..., apesar da grande paixão inicial, tenha durado pouco. Alguns fatos inesperados acabaram nos separando, e ela teve que se mudar de Belo Horizonte. Tentamos ainda manter uma correspondência, mas éramos jovens ansiosos que queriam mesmo era estar perto um do outro. Não conseguimos. Interrompemos ali.

Eu ainda a veria uma vez em 1977. Mandou-me uma carta dizendo que viria a Beagá, e combinamos de nos ver um dia. Por sugestão dela, viajamos para Ouro Preto. Não conseguimos ir além dos gestos de dois amigos que se encontram: beijinhos no rosto; conversa em dia; almoço; risos; sinceridade. Momento feliz. Descobrimos ali que nossa paixão terminara e que não havia mais a entusiasmo  incontido dos primeiros tempos. 


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