41- SÃO
DEMAIS OS PERIGOS DESSA VIDA
Voltando a 67, escapei de ser preso por causa da
proteção de meu anjo da guarda, Chiara. Sempre que a tratava como “meu anjo”,
lembrava-me de Seu Antônio Amorim, o primeiro que a classificou desse modo para
mim. Era impressionante como escapei de situações várias, de comuns a
perigosas, pela influência protetora de minha amiga.
Na primeira semana de dezembro, encarregado pela UMES,
fui levar uns papéis na UCMG (União Colegial de Minas Gerais). Cheguei por
volta das três da tarde ao velho prédio da Rua São Paulo, em Belo Horizonte.
Tomei ali, no segundo andar, um café com Luís Fábio, um estudante muito meu
amigo e um dos membros da diretoria. Conversamos uns quarenta minutos, falamos
dos tempos difíceis, do endurecimento do regime e da repressão ficando cada vez
mais violenta, e também de futebol (ele era também cruzeirense doente) e de
mulheres. Referiu-se também a umas reuniões que eles, secundaristas, estavam
fazendo com uns alunos de Filosofia da Federal; falou-me ainda das dificuldades
que estavam tendo em organizar o Congresso da UNE no ano seguinte (o trigésimo
congresso), e que tinha muito medo de que a qualquer momento a polícia virasse
os olhos ali para aquele prédio, da União
Colegial.
Despedi-me dele e subi ao quarto andar para levar os
documentos, tarefa da qual eu havia sido encarregado. Olhei no relógio, eram
quatro e cinco, calculei ficar por ali conversando até mais ou menos cinco e
vinte, cinco e vinte e cinco, e sair então para a rodoviária, onde tomaria o
ônibus de quinze para seis para Matozinhos. Lembrava-me constantemente de
Chiara recomendando-me que pegasse esse ônibus. Não me arriscaria a
desobedecer-lhe. Sua insistência deveria ter alguma razão.
Na subida para o quarto andar, encontrei Suzaninha, uma
morena bonita que eu havia conhecido num encontro estudantil no Colégio Ângelo
Roncalli. Tivemos naquela época um pequeno namoro e descobrimos, mais tarde,
que nos gostávamos muito como amigos para arriscar tudo num namoro ciumento
como foi nossa curta relação. Enquanto estivemos juntos, mais brigamos do que
tivemos alguma espécie de prazer. Bastou terminarmos para que se reatasse nossa
bela amizade. Gostava muito de vê-la. Telefonava-lhe sempre quando ia a Beagá.
Encontrá-la ali foi muito bom, e quase fiquei tentado a só voltar para casa no
último ônibus da noite. Ela ficou feliz de me ver, disse que ia me acompanhar
até o quarto andar, e eu quase desisti de pegar o ônibus previsto. Tomei um
novo café, Suzaninha, tentadora, convidou-me prum chope no “Pelicano”, do
Maletta, no fim da tarde, mas resolvi não dar sopa pro azar. Minha consciência
soprou-me que atendesse as recomendações de Chiara. Dei-lhe dois beijos no
rosto, cumprimentei o pessoal e peguei o elevador para descer ao primeiro
andar. Às cinco e meia saí do prédio, tomei a Av. Afonso Pena, alcancei a
Rodoviária e, às quinze para seis em ponto, eu estava sentado no ônibus de
Alcino Cotta, ao lado de Afonso Pezzini, meu professor de Biologia, que era
aluno de Medicina à época e voltava para Matozinhos.
Sabia que, pelo horário, eu não viria Chiara naquela
noite. Esperaria os acontecimentos para saber qual era sua previsão e
conversaria com ela no dia seguinte. Não iria também ao colégio porque já teria
perdido a primeira aula e uma boa parte da segunda.
Cheguei em casa, fui direto para o banho e, quando
saí, minha mãe me esperava com o jantar gostoso.
Nossa mesa de jantar dava frente para a sala da
televisão. Daí a dez minutos, às oito horas, começaria o Jornal Bancominas,
noticiário de Belo Horizonte, na TV Itacolomy. Levei um susto imenso, quando,
na primeira notícia, Jaime Gomide, o locutor, anunciou a tomada pelo Dops e
pela Polícia Militar do prédio da União Colegial de Minas Gerais, na Rua São
Paulo, entre a Avenida Afonso Pena e Rua Carijós. O cerco aconteceu às seis
horas da tarde, antes do fim do expediente. Levados aos camburões, Luís Fábio,
Suzaninha, Selma Santos, Claudionor, “Abacaxi”, Marcos Elísio, “Façanha” e
todos os outros, até mesmo os faxineiros e o porteiro do prédio. Escapei de ser
preso por meia hora. Teria sido uma enorme decepção para minha mãe.
Senti a comida entalar em minha garganta e odiei não
poder falar com Chiara à hora em que eu precisava, porque dependia de Maria
Goretti. Odiei também não ter telefone. A saída foi esperar Aluízio na saída do
Colégio. Ele, que também conhecia Suzaninha, ficou bastante abalado.
Só no dia seguinte, por volta das quatro da tarde,
Bello Menezes, um advogado nosso amigo, conseguiu soltá-los. A revista feita no
prédio não encontrou nada incriminador, apenas uma pequena bagana de cigarro de
maconha, da qual não foi descoberto o dono.
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