segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

39- 1969: o ano da Apollo 9 ou da invenção do “drible da vaca”



39- 1969: o ano da Apollo 9 ou da invenção do “drible da vaca”

Em agosto de 1969, a morte do General Costa e Silva confirmou o que já sabíamos: o vice-presidente Pedro Aleixo, um civil, foi impedido de assumir o governo, e a Junta Militar provisória dava um recado público: “ainda não era o momento de se entregar o poder”. Em seu lugar assumiria Médici, “o pior e o mais cruel de todos os generais”. Com isso, podia-se prever o que de fato seriam os anos setenta. Uma década com ar de fim de festa. Os anos sessenta, com sua intensidade, ofereceram-nos uma tremenda ressaca. Um amigo meu dizia que a sensação deixada pelos anos 70 foi de “copos sujos, cinzeiros cheios, salgadinhos e “brigadeiros” esmagados esparramados no tapete da sala, além de elepês arranhados e fora das capas: fim de festa”.

Enfrentei dificuldades nos estudos daquele ano. Precisava estar pronto para o vestibular do ano seguinte, mas antes tinha que vencer as barreiras de Física, Matemática, Química e até mesmo Biologia, principalmente as três primeiras, que pareciam guardar em si códigos indecifráveis. Sou uma pessoa, que consegue fazer apenas as quatro operações básicas da matemática e, mesmo assim, nos dias de hoje, socorro-me de uma máquina de calcular, na minha opinião um dos maiores inventos da humanidade. Como um robô servil, ela me faz todas as contas, e eu não me preocupo.
Naquele ano, Afonso, meu professor de Biologia, teve a coragem de considerar “sofrível”, um desenho meu de uma célula de tronco de árvore, um “xilema”. Aquilo ao contrário de me abalar, cutucou positivamente minha auto-estima. Mexeu com minha alma de artista.
Eu só gostava de escrever, escrevia muito e trocava textos com Chiara e com meu amigo Juracy. Eu mantinha o entusiasmo que havia adquirido com Arsênio Flávio, um grande professor, que lamentavelmente perdêramos num acidente terrível. Sempre considerei dever a ele muito do que eu sabia e do meu entusiasmo. Comecei por volta dos meus quinze anos a escrever contos, poemas e até mesmo letras de canções para festivais de músicas, que nunca realizamos. E era, como já disse, a época dos festivais. Praticamente toda entidade estudantil mais ou menos organizada, promovia o seu. Em Matozinhos planejamos vários, mas não os realizamos por falta de condições e de grana. O Brasil talvez tenha perdido um letrista musical por absoluta falta de oportunidade e seqüência.
Sessenta e nove foi também o ano da chegada do homem à Lua. Uma surpresa e um privilégio para a minha geração. Minha mãe, até o fim de sua vida, bateu o pé e garantiu ter certeza de que aquilo tudo havia sido um embuste dos americanos. Morreu sem acreditar naquilo que ela e nós víamos na televisão.
- Isso é um cenário! - ela dizia - Eles estão lá, no país deles, fingindo que estão pousando na Lua. Deus não ia permitir uma coisa dessas.
De qualquer modo, o tempo se encarregaria de me fazer até dar razão à minha mãe. A partir de uma certa idade, tive também meus momentos de dúvida. Aquela viagem, cheia de riscos, com as condições tecnológicas frágeis que existiam na época, parece-me, hoje, algo como um vôo de besouro: impossível.
Naquele ano, no entusiasmo juvenil, resolvemos, eu e meus amigos homenagear Armstrong, Aldrin e Collins, os astronautas da viagem histórica. Batizamos nosso time de futebol de salão, como “Apollo 9”. E foi com a camisa verde e branca desse time que marquei um dos mais antológicos gols a que minha cidade já assistiu: jogávamos contra um time de Vespasiano. Recuperei uma bola na nossa área, enfileirei adversários, matei o último zagueiro com um drible de corpo e esperei o goleiro sair, para tocar no canto. Pra falar a verdade, esse gol foi uma raridade em minha irregular e sofrível vida esportiva. Inventei o “drible da vaca”! Nunca joguei bem, reconheço. Por mais que eu me esforçasse, as pernas não obedeciam ao que a cabeça pensava. Meu futuro no futebol simplesmente não existia. Esse gol serviu apenas para alimentar minha auto-estima. Pena que Chiara não estivesse lá para ter assistido. Estava V..., que, por não entender de futebol, deu pouca importância ao fato. Meus amigos nunca se esqueceram desse gol que marquei. Esses são amigos verdadeiros!
Estava, nesse ano, namorando V. Começáramos no carnaval ao som de “Máscara Negra” e mantínhamos o namoro, embora sem muita convicção, pelo menos de minha parte. Era uma tentativa que eu fazia de ser um pouco independente de Chiara. Eu só não conseguia ser fiel. Não era ela que eu queria. Fazia o tempo passar esperando a hora de ir embora: Belo Horizonte me esperava.
Trabalhava, nessa época, numa distribuidora de gás de cozinha (Vieira, Toledo & Cia. Ltda) durante o dia, estudava à noite até às dez e meia e ficava na rua até a madrugada, zanzando, jogando conversa fora e pensando na vida.
Marcamos, eu, Tanius, Aluízio e João, um encontro para quinze anos depois, em 1984. Lêramos com entusiasmo “O Encontro Marcado” de Fernando Sabino e prometêramos repetir a história do livro. Esse livro foi lido com entusiasmo e a tesão intelectual, que era uma coisa muito presente àquela minha geração. Quase o sabíamos de cor. O texto de Sabino virou uma espécie de referência para todos nós. Maior alegria tinha Dona Carolina, nossa professora de português, que nos havia recomendado o livro.
Fiquei sabendo, mais tarde, que apenas Aluízio e Tanius compareceram ao nosso “encontro marcado”. Eu já estava no Sul e foi impossível cumprir o trato. Não me perdôo até hoje por isso.

A década de sessenta, o grande período da vida de minha geração, mostrava seus estertores. Ainda não sabíamos o que nos reservavam os anos setenta, que estavam à nossa porta. Sabíamos que no Brasil a sociedade se dividia: uma classe média emergente defendia o governo militar, por interesses próprios, e as pessoas que pensavam sabiam que se andava em terreno lodoso. Era difícil acreditar no que a imprensa oficial deixava passar para a leitura diária. Sabíamos, e tínhamos certeza, que nos porões da ditadura, muitos jovens como nós morriam torturados covardemente. Entre eles, alguns conhecidos de quem nunca mais tive notícias.
Rompi com V... por volta de setembro, porque descobri (suprema ironia!) que ela me traía, e senti-me tentado a virar hippie e cair no mundo. Senti vontade de viajar, de me isolar no meio do mato, tive vontade de tudo, até do que não era possível. Meus cabelos cresceram até os ombros, e a velha e conservadora Matozinhos se assustou com a minha nova aparência. Tudo confirmava que minha vida estava, de fato, mudando. Ainda não sabia se era para melhor ou para pior.

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