quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

49- A perda



49- A PERDA



Numa sexta-feira, Carmela me ligou. Estava feliz. Decidira-se mesmo ir com Carlo para o Equador, e iriam naquele fim de semana a Ouro Preto para despedir-se da cidade que os fizera conhecerem-se e homenageá-la antes de viajarem. Prometeram-se refazer todos os trajetos e acontecimentos do seu primeiro dia de amor e passar um fim de semana inesquecível. Não podia dizer que não fosse. Pensei num átimo de instante que tudo poderia acontecer ali na estrada para Ouro Preto, ou então na volta. Não pude dizer nada, não pude interferir. Rezei, rezei como nunca, para estar enganado.
Carlo alugara um carro, uma Brasília. Na volta, no domingo, à noitinha, a neblina da estrada impediu-os de ver a carreta Scania-Vabis na curva. Uma ultrapassagem inconseqüente do motorista do caminhão ocasionou o choque violentíssimo de frente com a Brasília, que voou despedaçada, com os meus amigos pelo despenhadeiro.
Quem primeiro soube de tudo foi Bello Menezes. Às nove da noite ele ligou para minha pensão e pediu que eu fosse com ele ao hospital de Ouro Preto para onde retornaram com os corpos. Deveríamos, como amigos, fazer o reconhecimento. Até então, não sabíamos que Carlo tinha um irmão no Brasil: Francisco. Nós o conheceríamos ainda naquela madrugada. Ele vivia aqui, fazia dois anos, estudando agronomia em Viçosa. E foi ele que, através do consulado, providenciou remoção do corpo de Carlo para Guayaquil, onde morava sua família. Carmela, sem parentes próximos, seria enterrada em Belo Horizonte. Só localizaríamos seu tio dez dias depois quando então pudemos avisá-lo. Não conseguimos contatá-lo a tempo porque ele viajara para uma fazenda no interior e esteve todo esse tempo praticamente incomunicável.
Ele pediu-me o favor de fechar o apartamento de Carmela e doar o que eu pudesse doar para entidades beneficentes. Combinei então que um dia, se eu fosse a São Paulo, eu o visitaria.
Tudo aquilo me deixou destroçado. Findo o enterro, peguei o primeiro ônibus para Matozinhos. O que eu mais queria era ficar perto de minha mãe, Chiara e Maria Goretti. Fiquei cinco dias em minha cidade, ausente dos trabalhos e da faculdade. Minha família entendeu a minha dor, falei-lhes da amiga que perdera, e cobriram-me de carinhos.

No sábado seguinte, voltei a Belo Horizonte. João Francisco e Maria Helena contrataram uma missa de sétimo dia. Alguns amigos da pensão foram comigo. Maria Goretti chegaria depois e se juntaria a nós. Pude notar também rostos desconhecidos. Todos muito tristes. Talvez fossem seus companheiros de luta que estivessem ali para lhe prestar uma última homenagem. Confirmei isso vendo todos, ao final da missa, vindo cumprimentar Bello Menezes. A missa foi no final da tarde. O tempo chuvoso trouxe a noite mais cedo. Trouxe também mais tristeza.
Saímos dali, despedimo-nos dos amigos e fomos, eu, Marcos (um amigo da pensão) e Maria Goretti, à um bar, relaxar um pouco. Pedimos uma cerveja, e Marcos, sempre uma pessoa sensível, perguntou-me quem era de fato Carmela. Pude dizer-lhe da verdadeira identidade de nossa amiga. Primeiro, porque ele era uma pessoa de extrema confiança e segundo, porque, de qualquer modo, tanto fazia agora se todos soubessem sua verdadeira identidade. O que importava é que ela havia passado rapidamente pela minha vida. O que importava é que, apesar de tudo, ela conseguira vislumbrar um retorno à normalidade e tivera a felicidade, nos seus últimos dias, de viver um grande amor.
O fato de Maria Goretti estar ali conosco deu-me uma grande força. Era impressionante a energia positiva que aos poucos eu descobria que havia naquela mulher. Isso me ajudava muito a entender por que Chiara a havia escolhido.
Saindo dali, Maria Goretti nos deixou, eu e Marcos na pensão e foi para casa de uma tia sua, no Bairro de Santa Efigênia.
Naquela noite, sonhei com Carmela. O primeiro de muitos sonhos que eu teria. Sonhos que me tranqüilizaram. Ela estava bonita, sem óculos, e me sorria. Pareceu-me, com aquele sonho, que ela quisesse me dizer que estava muito bem.

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