40- O FIM DA
DÉCADA DE SONHOS
Os últimos cinco anos da década de sessenta foram
marcantes. A década inteira, como já disse, de uma maneira geral foi
transformadora, e minha geração se privilegiou por ter amadurecido em seu
desenvolvimento. O Brasil e o mundo modificaram-se com uma velocidade imensa e
uma amplitude que a tornavam incomparável às décadas anteriores, ou melhor, a
todos os mil novecentos e cinqüenta e nove anos que a antecederam. Não fossem
os militares, que atrasaram em décadas as conquistas de nossas pesquisas
expulsando nossos melhores cientistas, seríamos melhores ainda. Pena...
irremediável, já que o tempo não volta, e o estrago não tem conserto!
Venci - naquele final de década - minhas crises de
adolescência, escrevi bons versos e abri o peito para enfrentar o mundo. Tive
amores (muitos) que me deram alegria e tive um amor enorme e diferente por uma
amiga, que foi um privilégio sem medidas, muito embora me custasse entender os
limites desse amor. Quando compreendi, mais tarde, senti-me abençoado mesmo
assim.
1967 estava sendo um ano muito louco para mim. Minhas
experiências com namoradas se intensificaram e ganhei ternura e maturidade.
Maturidade também se ganha através de fracassos. E eu os tive, descobrindo que
não era um super-homem. Meus ganhos pessoais ultrapassaram esse limite do nível
amoroso para forjar uma estrutura forte que daria seqüência à minha vida. Meus
ganhos intelectuais também foram incomensuráveis, principalmente porque senti a
definição profissional de minha vida, com toda a certeza. Já sabia que queria
fazer o curso de artes.
Apesar de estarmos vivendo o garroteamento das
liberdades pessoais no Brasil com o regime militar, culturalmente o Brasil se
agigantava, criando uma geração incomparável na MPB, no cinema, no teatro, na
literatura e nas artes plásticas. Em Matozinhos, brincávamos na praça, eu,
Aluízio, Tanius, João, Zeca e Ângelo, de “Essa Noite se Improvisa”, (*)
competindo para ver quem tinha mais memória, quem sabia mais música brasileira,
da “boa”, diga-se de passagem. Passáramos, eu e meus amigos próximos, ao largo
da insipidez neutra da Jovem Guarda. Roberto Carlos, para nós, servia apenas
para criar um clima de namoro nos bailinhos do Itamaraty.
Estimulava-nos a nova geração de nomes surgida nos
festivais da canção, principalmente naquele ano, considerado o maior de todos
esses eventos, ano inclusive, em que foi lançado o movimento “tropicalista” na
música brasileira, tudo a ver com a nossa sede de novidades. Deliciamo-nos.
No mundo, tivemos a grande tristeza do assassinato do
“Che”, grande ídolo de todos nós nas selvas bolivianas. Perda irrecuperável!
Mais ódio ainda à arrogância norte-americana!
E 1967 me reservaria ainda algumas outras boas
surpresas. Nesse ano, no mês de março, nasceu Cláudia Mercedes, a minha quarta
sobrinha. Era a primeira filha do meu irmão Zezé, que se casara em 66, com
Marlene, uma cunhada de quem eu gosto muito. Laura já nos dera Elizabete,
Elizete e Mathias. Margarida (Nem) casava-se com José Lana (Zizi) de Pedro
Leopoldo, nossa cidade vizinha. Éramos felizes, amigos, unidos e cada vez mais
cruzeirenses. Nesse tempo ainda não haviam nascido os netos atleticanos. Todos
respeitavam a vontade e o sonho de Zé do Armazém: uma família inteira de
cruzeirenses. Se vivo, hoje, meu pai com certeza, debocharia daqueles que não o
seguiram. O Atlético não ganha nada, há anos.
Naquele ano, meu pai foi sorteado, para surpresa de
todos nós, com um fusca no “Baú do Sílvio Santos”, programa de prêmios de um
canal de tevê de São Paulo. Combinamos que Tomaz, meu cunhado, por ser paulista
e por conhecer a cidade, representaria meu pai na entrega do carro. Meu pai não
sabia dirigir.
Aquele ano foi também o último ano dos grandes
carnavais. A música “Máscara Negra”, de Zé Kéti e Hildebrando Pereira Matos,
foi o estrondoso sucesso daquele carnaval e de muitos dos seguintes, enquanto
houve ainda uma sombra ou mesmo uma pálida lembrança dos carnavais como deviam
ser. O verso “vou beijar-te agora/ não me leve a mal/ hoje é carnaval”, ajudou
muito os tímidos e os contidos a darem o beijo desejado na parceira de dança.
Eu, beijei muitas, ouvindo e dançando essa música. Afinal, tudo era carnaval.
(*) Programa
de entretenimento musical dos anos 60, levado ao ar pela extinta TV Excelsior,
sob o comando do jornalista paulista Blota Júnior. O programa convidava
semanalmente cantores e cantoras em evidência na música brasileira para um
concurso e uma espécie de teste de memória. Ao sinal de uma palavra eles
deveriam se lembrar de uma música que a contivesse, ganhando aquele que
somasse, ao fim da noite, mais pontos.
Cada vez mais eu tenho a certeza de que nasci na época errada...Como posso sentir tanta saudade de algo que não vivenciei???
ResponderExcluirLembro que, na quarta série, escrevi um manifesto comunista...A pobre da minha mãe quase teve um troço, quando percebeu esse meu lado "rebelde" e me explicou que aquilo era algo muito sério, que eu poderia colocar toda a nossa família em risco, se continuasse a expressar essas ideias...É, eu já nasci (1972) com uma "mordaça" na boca! Mesmo assim, a minha geração ainda conseguiu se beneficiar com as "migalhas" da festa de vocês!
Que privilégio teres vivido tudo isso, Geraldo! Obrigada por dividir essas experiências maravilhosas conosco! Mas o fascínio que tenho em relação a esse período é proporcional ao pavor que sinto, quando penso que pessoas como vocês são cada vez mais raras. Não queria ser tão pessimista, mas sou!
Sigo acompanhando "Chiara"...Bjs!