4- Mundos
paralelos
Estar com Chiara passou a ser, a partir de um
determinado momento, superior a todo o resto que me acontecia durante aqueles
dias. Queria tê-la sempre comigo. Ela me envolvia o tempo todo, em minha
presença ou na minha lembrança.
Quando pequeno, eu adorava ouvir histórias. É claro
que o pessoal lá de casa já não tinha mais a mesma paciência, nem repertório
para satisfazer minha vontade insaciável e minha incansável energia de cinco,
seis anos. Então eu inventava histórias no meu pensamento, enquanto estava
sozinho. Com cinco anos já as inventava. Não pensem que eu exagero na
precocidade desses fatos. É verdade. Não me lembro de nenhuma inteira hoje, mas
sei que as inventava e fazia enredos mirabolantes. Veio daí, talvez, a
facilidade que eu teria alguns anos depois, para estabelecer uma narrativa em
minhas histórias em quadrinhos, quando comecei a desenhá-las com o meu irmão.
Bastava-me fechar bem os olhos e pegar um assunto qualquer, que eu, através
dele, desenvolvia aventuras. A idéia do dragão resfolegante do trem de ferro,
por exemplo, tinha possivelmente associação com a chaminé da máquina que
soltava fumaça. A figura do dragão botando fogo pela boca, inclusive,
impressionara-me quando vi, pela primeira vez, uma gravura de São Jorge na casa
de Geraldo Junqueira, um amigo de meu pai. Durante um bom tempo de minha
infância, acreditei piamente que os dragões existiam, assim como acreditei que
ele e São Jorge morassem na lua, reservando todas as noites de lua cheia para o
espetáculo de uma briga interminável.
E Chiara também era uma exímia contadora de histórias.
Hoje penso: histórias muito maduras para uma menina de cinco, seis anos, que
era como ela se apresentava para mim. Histórias surpreendentes com narrações de
aventuras de sonho. Animais muito mais expressivos que os dragões; muito mais
estranhos também. Esplêndidamente criativos. Lembro-me de um que ela dizia se
chamar “Lilubite”, que era verde, escamoso, do tamanho de um camelo e tinha
duas cabeças ao invés de duas corcovas. Numa das cabeças, nos olhos, óculos de
grau, na outra, óculos escuros. Outro, que se chamava “Coláqua”, era uma
espécie de baleia que tinha pés. Havia coláquas pequenas e filhotes que se
chamavam “colaqüinhas” e coláquas adultos de várias idades. Moravam na terra
durante a semana e passavam os domingos, feriados e dias santos nos rios e nos
mares. Havia também bichos que voavam: os “zolistres”, que eram aves enormes,
listradas como uma zebra e com o bico em forma de serrote. Comiam melancia e
usavam o serrote para cortar a fruta. Viviam numa espécie de paraíso,
convivendo harmoniosamente, todos eles. E havia muito mais bichos, pena que só
me restaram na lembrança esses três. Lembro-me das histórias e desses três
porque, quando comecei a aprender a escrever, ela, Chiara, fez-me escrever os
nomes deles. Depois, com dez ou onze anos, acho, encontrei o caderno com esses
nomes escritos e os transcrevi em outro lugar para que a memória não se
perdesse. Tudo isso vocês vão concordar servia-me como grande estímulo, para que
eu me tornasse também, um contador de histórias...
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