domingo, 13 de janeiro de 2013

4- Mundos paralelos



4- Mundos paralelos


Estar com Chiara passou a ser, a partir de um determinado momento, superior a todo o resto que me acontecia durante aqueles dias. Queria tê-la sempre comigo. Ela me envolvia o tempo todo, em minha presença ou na minha lembrança.

Quando pequeno, eu adorava ouvir histórias. É claro que o pessoal lá de casa já não tinha mais a mesma paciência, nem repertório para satisfazer minha vontade insaciável e minha incansável energia de cinco, seis anos. Então eu inventava histórias no meu pensamento, enquanto estava sozinho. Com cinco anos já as inventava. Não pensem que eu exagero na precocidade desses fatos. É verdade. Não me lembro de nenhuma inteira hoje, mas sei que as inventava e fazia enredos mirabolantes. Veio daí, talvez, a facilidade que eu teria alguns anos depois, para estabelecer uma narrativa em minhas histórias em quadrinhos, quando comecei a desenhá-las com o meu irmão. Bastava-me fechar bem os olhos e pegar um assunto qualquer, que eu, através dele, desenvolvia aventuras. A idéia do dragão resfolegante do trem de ferro, por exemplo, tinha possivelmente associação com a chaminé da máquina que soltava fumaça. A figura do dragão botando fogo pela boca, inclusive, impressionara-me quando vi, pela primeira vez, uma gravura de São Jorge na casa de Geraldo Junqueira, um amigo de meu pai. Durante um bom tempo de minha infância, acreditei piamente que os dragões existiam, assim como acreditei que ele e São Jorge morassem na lua, reservando todas as noites de lua cheia para o espetáculo de uma briga interminável.

E Chiara também era uma exímia contadora de histórias. Hoje penso: histórias muito maduras para uma menina de cinco, seis anos, que era como ela se apresentava para mim. Histórias surpreendentes com narrações de aventuras de sonho. Animais muito mais expressivos que os dragões; muito mais estranhos também. Esplêndidamente criativos. Lembro-me de um que ela dizia se chamar “Lilubite”, que era verde, escamoso, do tamanho de um camelo e tinha duas cabeças ao invés de duas corcovas. Numa das cabeças, nos olhos, óculos de grau, na outra, óculos escuros. Outro, que se chamava “Coláqua”, era uma espécie de baleia que tinha pés. Havia coláquas pequenas e filhotes que se chamavam “colaqüinhas” e coláquas adultos de várias idades. Moravam na terra durante a semana e passavam os domingos, feriados e dias santos nos rios e nos mares. Havia também bichos que voavam: os “zolistres”, que eram aves enormes, listradas como uma zebra e com o bico em forma de serrote. Comiam melancia e usavam o serrote para cortar a fruta. Viviam numa espécie de paraíso, convivendo harmoniosamente, todos eles. E havia muito mais bichos, pena que só me restaram na lembrança esses três. Lembro-me das histórias e desses três porque, quando comecei a aprender a escrever, ela, Chiara, fez-me escrever os nomes deles. Depois, com dez ou onze anos, acho, encontrei o caderno com esses nomes escritos e os transcrevi em outro lugar para que a memória não se perdesse. Tudo isso vocês vão concordar servia-me como grande estímulo, para que eu me tornasse também, um contador de histórias...

Nenhum comentário:

Postar um comentário