sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

13- Maria Goretti e Chiara



13- MARIA GORETTI  E CHIARA

No começo das aulas do terceiro ano do Grupo Escolar, tínhamos uma nova professora: Dona Salomé. Os colegas eram quase todos os mesmos que já me acompanhavam desde o primeiro ano, até que no segundo dia de aula Dona Salomé nos apresentou uma colega nova que se transferia do Grupo Escolar Visconde do Rio das Velhas para o nosso: Maria Goretti. Aquela menina, a mesma no carro de Seu Alcides, no dia da carona do campo do Pery-Pery... Maria Goretti era seu nome.
À época, na minha escola, a carteira escolar era dupla, e eu sentava sozinho, não sei por que razão. Dona Salomé levou-a até a minha carteira e disse que ela sentasse comigo, pedindo-me, também, que eu lhe emprestasse o caderno, para ela colocar a matéria em dia, em casa.
Nunca gostei, como todos os meninos de minha idade naquela época, de sentar do lado de meninas. Mas ali estava sendo diferente, e acho que meu coração até bateu meio descompassado. Comecei a sentir uma dor de barriga estranha que eu sentiria ainda muitas vezes durante minha vida, quando ficava junto às mulheres que me interessavam. Conversar com ela, naquele momento, eu não conversei, porque morria de vergonha, e ela também não era de falar muito, aliás, quem sempre conheceu Maria Goretti sabe que ela é assim. Mas, num determinado instante, eu a vi escrever em seu caderno: “Geraldo Roberto”. Estranhei que ela soubesse meu nome inteiro, pois, lembro bem, Dona Salomé havia se referido a mim apenas como Geraldo. E me surpreendi mais ainda quando, de repente, ela tomou o meu caderno e escreveu: “Chiara”. Foi um choque! Só aí eu descobri que a Chiara de dois anos atrás deixara-me a lembrança de uma presença, mas não me deixara um rosto. Lembro-me de ela ser uma menina bonita, assim como era a Maria Goretti. Mas, com certeza, não eram a mesma pessoa. O rosto da menina que conheci aos cinco anos aparecia-me na memória como algo desfocado, e que minha memória não reconstituía com exatidão. A lembrança da presença era uma coisa mais ou menos de energia, calor, um perfume agradável, coisas assim. E, se como adulto já foi difícil tentar entender aquela loucura, imagine como criança. Importa é que ali, medido e dosado cruelmente pelo destino, aconteceu um novo e curto encontro. Tendo ela escrito meu nome, um aroma rápido daquele perfume passou suave por minhas narinas. Passou ligeiro e quase inalcançável. Imediatamente bateu o sinal, ela se levantou carregando consigo o perfume e correu até a saída onde seu pai a esperava. No dia seguinte, sem razão aparente, Dona Salomé arranjou-lhe um lugar mais à frente e, naquele ano e até o fim do Grupo Escolar, em dezembro de 59, Maria Goretti nunca mais falou comigo na sala de aula. O caderno que eu emprestara no dia anterior me foi devolvido por Dona Salomé. É possível que Maria Goretti lhe tenha pedido para fazer isso. Abri o caderno, ávido de encontrar alguma coisa escrita, uma marca de lápis apagada, qualquer sinal da manifestação do dia anterior, e nada. Nem mesmo o mínimo sinal daquele perfume.

E ela não falou comigo, nem mesmo fora dali. Encontramo-nos ainda uma vez naquele ano, nas barraquinhas organizadas pela Usina para arrecadar dinheiro para a construção de sua igreja. Ela estava lá, numa das noites de festa. Havia um joguinho no qual um coelhinho era solto e tinha de entrar numa das dez casinhas numeradas (de 1 a 10). As crianças apostavam um troquinho qualquer de moedas e, se ganhassem (acertassem a casa em que o coelhinho entrava), ganhavam uma maçã. Naquela noite, ela estava lá com seu pai, jogando do meu lado, e foi incapaz de me olhar. Além de tudo, ganhou três maçãs, enquanto eu ganhei apenas uma. Não me importei de fato. Naquela noite eu tinha companhia. Do meu lado, jogando o jogo dos coelhinhos, havia uma menina de Capim Branco, filha de um amigo de meu pai. E naquela noite, essa menina foi sempre o foco dos meus olhos. Eu tinha, nessa época, um coração volúvel!

Aquela noite me faz lembrar, também, uma espécie de premonição que tive, pensamento que me deixou muito triste. Antecipei o que o futuro confirmaria: vi as casas da usina desertas, o velho prédio da sede se demolindo com a ação do tempo e abandono e a igreja (por cuja construção meu pai e os outros haviam lutado), também em ruínas e com o telhado destruído. Nos dias de hoje, nos primeiros anos do novo século, é assim que aqueles prédios se encontram.
Até hoje tenho essas premonições ou antecipações de acontecimentos. Tudo tem o seu começo, o seu auge e a curva (descendente) da decadência. Mais cedo ou mais tarde, acaba acontecendo. Lembrar, como me lembro agora, da Usina de Açúcar ativa, os operários felizes e suas famílias, o movimento de caminhões, tratores e atividade as vinte e quatro horas do dia, nos tempos de safra da cana, aumenta a minha tristeza. Isso me ensina a valorizar cada momento, sabendo que ele não se repete jamais...

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