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PRIMEIRA VEZ QUE VI UMA MULHER DE MAIÔ
E 1957 foi ainda o ano em que eu vi, ao vivo, pela
primeira vez, uma mulher de maiô. Conforme disse, extasiava-me com as artistas
do cinema americano nas páginas de Cinemin e Filmelândia. Uma em especial sempre
me chamou a atenção e fazia despertar em mim desejos que até então eu não
compreendia: Verônica Lake. Tenho guardada comigo até hoje, já amarelada, a
página central de Cinemim, com ela em um maiô de pele de onça, deitada numa chaise-longue forrada com a mesma
estampa. Tinha longos cabelos louros caídos sobre o olho direito, uma boca de
lábios cintilantes e olhos profundamente provocativos.
Minha primeira mulher de maiô, ao vivo, não era loura,
nem se parecia com Verônica Lake. Nem sei ao menos quem era ela. Conto apenas
como a vi. Na vizinhança da Usina, havia a casa de Dona Teresa Del’Boccio, mais
ou menos nos fundos da casa de Seu Custódio Pacheco e Dona Marcola. As relações
na Usina eram de tanta intimidade, que nós, crianças, podíamos entrar em qualquer
casa sem bater. Na casa de Dona Teresa, por exemplo, havia um pé de
mangas-espadas. Podíamos nos servir à vontade. Era o tempo de casas abertas,
onde todos protegiam todos. Dona Teresa tinha um papagaio, “Meu Louro”, que
anunciava sempre quando alguém chegava e entrava no quintal:
- “Dona Teresa, tem gente!”
E sempre brincávamos com ele, conversando.
Naquele dia, por mais que eu e meu amigo Chinho
tivéssemos nos anunciado, ele continuou a dizer: “tem gente... Dona Teresa, tem
gente...”.
Um pouco à frente, atrás dos parreirais de Dona
Teresa, havia um córrego de águas limpas, represado num tanque de cimento como
se fosse uma pequena piscina. E de lá veio o alarido de uma voz desconhecida.
Uma moça, que eu nunca soube quem era, uma senhora e um rapaz de óculos
escuros. Dos últimos, essa descrição é o que lembro. A mulher parecia mãe, ou
sogra. O rapaz, irmão talvez, ou marido, ou noivo, ou apenas namorado. Da moça,
lembro mais: morena, nem alta, nem baixa, e usava um maiô de duas peças,
audaciosíssimo para a época. Ela dava gritinhos em contato com a água
fria. Seus acompanhantes, vestidos,
apenas olhavam.
Eu e Chinho chegamos perto para ver. Eu tive dor de
barriga, daquela dor de barriga gostosa, só de olhar. Eu ainda não entendia
realmente essas sensações.
E era como se nós não estivéssemos ali. A moça
continuou na água fria, gritando, e os outros dois, rindo muito. Chinho
olhava-a com olhos arregalados. Eu a olhava com dor de barriga.
De repente ela saiu da água e o rapaz enrolou-a numa
grande toalha azul. A moça tirou a touca e soltou seus cabelos negros e muito
compridos. Em sua pele, principalmente nas pernas, havia ainda gotinhas
douradas da água. Suas pernas estavam arrepiadas pelo frio.
De repente Dona Teresa apareceu. Chamou-os para um
café que havia coado. Eu e Chinho ficamos ali embasbacados. Quando eles foram
tomar o café, ficamos olhando o córrego que passava e pensando em pernas.
Eram parentes ou amigos da dona da casa? Não soubemos
nunca. Eu, pelo menos, nunca soube.
Eu ainda vi a moça mais umas duas vezes: uma vez
passou de bicicleta em frente a minha casa. Usava calças compridas e um lenço
no cabelo. A outra, na igreja, no domingo seguinte. Vi-a comungando. Nos
cabelos um véu branco, nas mãos um terço e um missal. Vestia uma saia branca e
uma blusa rosa. Olhei-a atravessar contrita todo o corredor até a mesa de
comunhão. Ela sentava-se no banco imediatamente atrás do nosso. Acompanhei-a
com o olhar e tive uma imensa vontade de rir, porque ela mastigava a hóstia.
Aquilo para mim era pecado.
Naquela tarde fui de novo à casa de Dona Teresa. Tinha
esperança de encontrar a moça. Não estava. Nunca mais a vi. Foi embora, e não
descobri o seu nome. Fiquei até a tarde cair, mastigando um talo de capim,
pensativo, à beira do córrego. Lembro-me de um bando de andorinhas cruzando o
céu, e o frio da tarde me mandar para casa. Pedi a Deus, enquanto rezava, para
sonhar com a moça. Ele não me atendeu.
Muito tempo depois, no quarto ano do Grupo Escolar,
fiz uma redação com o título: “A moça de maiô”, lembrando-me, é claro, da moça
da casa de Dona Teresa. Dona Amélia, minha professora da época, pareceu não
gostar. Duvidou que eu tivesse escrito sozinho e considerou desrespeitoso o que
escrevi. Por castigo, fez-me escrever duzentas vezes no caderno: “Prometo não escrever
mais obscenidades.” Não me lembro por quê. Devo ter dito que aquelas pernas me
fizeram ter boas sensações.
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