Neste texto, é bom que se saiba, as datas não correspondem com exatidão a história real nem os fatos transcorreram necessariamente na ordem descrita e com as características narradas. O que narro como acontecido no ano de 1960, na realidade não transcorreu tão rápido assim nem o desajuste social foi tão intenso, grave e repentino. Houve mais ou menos um espaço de três anos entre esses acontecimentos. O uso da narração como sendo tudo nos anos 60 é, podemos dizer assim, um ajuste literário, assim como o impacto social.
17 – O Fim
da Usina
Em 1960
a população da Usina começou a sentir que as coisas não
iam bem. A produção da fábrica caiu, houve uma primeira lista de dispensa de
operários e também se falou em falência da Companhia. Prometeu-se de tudo: um
leilão público, muitos interessados e até a garantia de que um novo grupo
assumiria, e todos teriam os seus direitos assegurados. O desespero tomou conta
das famílias que, até então, viviam felizes e seguras, tinham uma vida
agradável e uma boa casa para morar. A sorte é que se instalava em Matozinhos
uma nova fábrica, a Fábrica de Cimento Cominci (iria ser inaugurada naquele
ano), e isso abriu uma nova frente de trabalho. Muitos operários fizeram, à
época, acordo com a Usina e se transferiram para a nova fábrica. Meu pai, em
vias de aposentadoria, resistiu até o último momento. Só mais tarde, em 62,
para completar o tempo de previdência, seguiu seus velhos colegas e trabalhou
ali, na Cominci, o período que faltava para se aposentar. Em fins de 62,
falava-se que a justiça lacraria as portas da Usina Santo André, e aos
operários seria dado um prazo para que procurassem novo local para morar. Numa
jogada política, a Usina não faliu, mas transferiu parte de seu maquinário para
a cidade de Passos, deixando Matozinhos a “ver navios”.
Era triste ver as casas sendo desocupadas e a vila
operária se esvaziando. Cada vizinho que se mudava era como se um pedaço de
nossa história estivesse sendo mandada para longe.
Para aumentar mais ainda o clima de
tristeza na região, a Fábrica de Tecidos Pery-Pery, vizinha à usina, na mesma
época, também fechou as suas portas, falindo e deixando igualmente dezenas de
famílias frente a um futuro incerto e pouco promissor. Essa fábrica
simplesmente não remodelou o seu maquinário e conseqüentemente passou a ter
seus pedidos reduzidos. Não se preparou para a modernização do mercado, sendo
engolida pela concorrência. Toda uma região que antes havia sido próspera e
ativa, revestia-se agora de tristeza e insegurança.
Mais ainda: a política desenvolvimentista
do presidente Juscelino, incentivando a construção de rodovias, praticamente
relegou as ferrovias federais a segundo plano. Também o bairro da Estação, de
muitos momentos felizes da minha infância, experimentava seu momento de
esvaziamento. Progressivamente, os trens foram perdendo a preferência como
transporte de passageiros, sendo trocados por ônibus que faziam os trajetos de
forma mais rápida.
Todas as esperanças matozinhenses
transferiam-se para a parte alta da cidade e para a nova fábrica de cimento.
Neste ano de 1960, minha irmã Laura se
casou. Conheceu Tomaz, um funcionário paulista da nova fábrica, e, para minha
tristeza, pois era muito apegado a ela, nos deixou. Lembro-me da bela festa em
minha casa e de todos os convidados, inclusive (novidade em Matozinhos) os
engenheiros franceses e suas esposas - eles participavam da etapa de montagem
da nova fábrica.
Lembro também que à festa do casamento
compareceram Seu Alcides, Dona Maria e Maria Goretti, que mais uma vez não me
olhou.
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