10- O ANO EM
QUE EU QUASE ME TORNEI ATLETICANO
O ano de 58 iniciou, para todos de minha geração, um
novo ciclo em nossas vidas. Eu, contaminado pelo hábito da leitura, lia de
tudo: bulas de remédio, jornais que se compravam na minha casa (Estado de
Minas, Diário de Minas, Binômio), revista O Cruzeiro e a famosa (à época)
revista “Seleções” de Reader’s Digest. Tudo aquilo me ensinava as coisas do
mundo.
Naquele ano, por causa da Copa do Mundo na Suécia (a
primeira que o Brasil ganhou), assim como muitos outros meninos, tomei
conhecimento da existência do futebol, paixão que eu incorporaria à minha vida,
como a maioria dos brasileiros. Lembro-me, com riqueza de detalhes, do último
jogo - contra os anfitriões - quando ganhamos de cinco a dois. Lembro que era uma
manhã nublada; antes dei uma volta com Lúcio, meu irmão na garupa de sua
bicicleta, e depois ouvimos o jogo numa transmissão radiofônica péssima; todos
estavam nervosos, grudados no rádio, esperando o final da partida. Lembro-me da
comemoração, do foguetório, do congraçamento entre todos os vizinhos da Usina.
Lembro-me do trem de Montes Claros passando na via férrea, e os passageiros
homens agitando os chapéus para nós, que comemorávamos à beira dos trilhos.
Lembro-me de nessa época ser ávido pela revista O Cruzeiro
e pelas fotos da “Seleção Canarinho”. Lembro também que havia sido o ano em que
Adalgisa Colombo foi Miss Brasil. Lembro-me de sua foto de maiô, do seu porte
elegante e da sensação boa de sempre (frio na barriga) quando olhava aquelas
pernas.
Incitado por João Ailton, meu vizinho, quase me tornei
atleticano, o que teria, com certeza, desesperado o meu pai. Zé do Armazém,
sabiamente, sentindo que já era hora de minha iniciação no futebol, começou a
me falar um dia, enquanto se barbeava, da obrigação que todos nós, os seus
filhos, tínhamos de ser cruzeirenses como ele. Citou Zezé, Christiano, Lúcio e
Luciano, todos já cooptados, e decidiu que a partir daquele dia eu deveria, aos
domingos à tarde, sentar-me com ele para ouvir no rádio os jogos do time da
família. Eu até que gostava de jogar futebol como todos os meninos vizinhos,
mas não tinha muita paciência de ficar quieto ao pé do rádio, ouvindo as
narrações, narrações da voz jovem (à época) de Jairo Anatólio Lima nos
microfones da Rádio Inconfidência de Belo Horizonte.
A vitória do Brasil na Copa com toda a atmosfera
circundante inevitavelmente me empurrava para a paixão futebolística e
cruzeirense que até hoje domina a mim e aos meus irmãos. Aprendi, para alegria
do meu pai, a escalação do Cruzeiro, e ele gostava de me exibir para os amigos,
pedindo que eu dissesse os nomes dos jogadores. Hoje não me lembro mais desse
time, excetuando-se o nome do goleiro: Geraldo II, primo distante do meu pai,
uma espécie de ídolo seu. Desconfio que é em sua homenagem que eu me chamo
Geraldo, embora minha mãe sempre dissesse que era por causa de São Geraldo
(padroeiro de Curvelo), um de seus santos de devoção.
Outra paixão futebolística que meu pai tinha era o
Pery-Pery Futebol Clube, time amador de uma fábrica de tecidos vizinha à Usina.
Meu pai decidiu também que nos domingos em que não houvesse jogos do Cruzeiro
no rádio iríamos ao campo assistir aos jogos do Pery-Pery. Confesso que gostei
muito da experiência, pois até então nunca assistira a um jogo de verdade, ao
vivo, sentindo a vibração da torcida, a batucada da charanga, os foguetes e a
explosão de alegria coletiva quando de um gol ou da entrada do time no campo.
Sempre tive muita sensibilidade para cheiros e cores. Lembro-me como se fosse
hoje, do cheiro de grama recém-cortada, da pólvora dos foguetes, dos molhos de
sanduíches vendidos na carrocinha e das laranjas descascadas pelos torcedores.
Lembro-me do vistoso uniforme do Pery-Pery, com suas camisas listradas de
vermelho e branco, e do time adversário, vestido de azul, o Industrial de Pedro
Leopoldo. Tudo era muito colorido na minha infância!
Todas essas referências são marcas na memória daquele
domingo de verão em 58, porque, na saída, quando nos dirigíamos a pé para casa,
Seu Alcides, um amigo do meu pai passou com seu automóvel e nos ofereceu carona.
Vinha ele de Barbosa, da visita a um parente, com a sua esposa D. Maria e sua
filha, que mais tarde eu descobriria chamar-se Maria Goretti. Tive uma sensação
estranha ao entrar no carro e ver aquela menina ali, no banco da frente, entre
seu pai e sua mãe. Entramos eu e meu pai no banco de trás e, durante todo o
trajeto, não consegui tirar os olhos da menina, que em nenhum momento voltou-se
para me olhar. Naquela noite sonhei com Chiara, depois de muito tempo...
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