sábado, 26 de janeiro de 2013

14 - DESENHANDO...



14- DESENHANDO...



Dos tempos da Usina guardo também uma lembrança inesquecível: um incêndio noturno num dos canaviais. De repente, numa visão espantosa, vimos labaredas imensas engolindo as touceiras de cana, a noite clarear-se com as chamas e a vila operária, toda acordada, assistir ao canavial se dizimar. Na manhã seguinte, fogo apagado, as enormes montanhas de cinza pareciam um cenário de guerra. Aquilo impressionou muito, meus olhos de menino. Aquilo, pode-se dizer, foi também um dos “gatilhos” que me impulsionaram para o desenho e a pintura, como narrarei a seguir.



O ano escolar de 58 trouxe-me também outras novidades. Descobri-me capaz de soluções criativas que me fizeram alcançar sucesso com o grupo. Até então escondera ou não tivera chance de demonstrar que eu tinha habilidade com o desenho. Passei, a partir do memento que revelei, a ser uma espécie de desenhista oficial da escola, ajudando as professoras com os cartazes do Dia de Tiradentes, Dia do Índio, Dia da Independência, Dia da Proclamação da República, e outros. Iniciei aí também uma vitoriosa “carreira política” ganhando por unanimidade todas as eleições que havia para presidente do Clube de Leitura e para o Grêmio. Destacava-me como o melhor em redação e impressionava pelo vocabulário extenso e maduro. Quanto à matemática, em compensação... eu fui de mal a pior.

Impressionou sobremaneira minha professora, um desenho que fiz retratando o incêndio no canavial da Usina. Lembro-me pouco dos detalhes desse desenho, mas me lembro da repercussão que ele causou. Dr. Jurandy, um dia em visita a meu pai, viu esse desenho e falou que parecia Van Gogh. Foi a primeira vez que ouvi o nome do artista holandês.

Uma das minhas soluções mais criativas naquele ano escolar foi durante um trabalho da aula de História, sobre a Guerra do Paraguai, Duque de Caxias e a Batalha do Itororó. Enquanto meus colegas fizeram o texto escrito, eu o fiz em quadrinhos contando com o ritmo e movimento das histórias de caubóis ou das batalhas de índios contra a cavalaria, aquele episódio decisivo da guerra contra o país vizinho. Fiz tudo a partir de uma pesquisa séria: o combate (hoje vejo como extremamente covarde) de vinte mil brasileiros comandados por Caxias contra cinco mil paraguaios comandados pelo general Caballero. Itororó era o nome do rio, sobre cuja ponte travou-se um dos momentos mais duros da batalha. O Brasil teve 295 mortos e o Paraguai, 1.800.

Gostei de fazer sucesso. Gostei que meu trabalho fosse mostrado a todos os colegas na sala de aula daquele dia. Fiquei atento principalmente ao modo como Maria Goretti reagiu: mesmo que ela não falasse mais comigo, sentada três filas de carteiras à frente, voltou-se para me olhar. E, como todos os colegas, bateu palmas a pedido da professora.

Experimentei também derrotas nesse ano. Apanhei numa briga com um colega do qual não lembro o nome e cheguei em casa, para desespero de minha mãe, mancando e com um hematoma no rosto. Fiquei de castigo uns dias e descobri ali que eu não era bom de briga e que não devia mais me meter em confusões.

Passei o ano inteiro dividindo-me entre a euforia das brincadeiras, a ocupação com os deveres de aula e a incompreensão com Chiara, que ressurgira num lampejo e depois desaparecera de novo. Sentia falta dela e não entendia por que, até mesmo nos sonhos, ela havia desaparecido. Tentei várias vezes chamá-la ao quarto de brinquedos e muitas vezes, chorei ali, sozinho, a falta de minha amiga.

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