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DESENHANDO...
Dos tempos da Usina guardo também uma lembrança
inesquecível: um incêndio noturno num dos canaviais. De repente, numa visão
espantosa, vimos labaredas imensas engolindo as touceiras de cana, a noite
clarear-se com as chamas e a vila operária, toda acordada, assistir ao canavial
se dizimar. Na manhã seguinte, fogo apagado, as enormes montanhas de cinza
pareciam um cenário de guerra. Aquilo impressionou muito, meus olhos de menino.
Aquilo, pode-se dizer, foi também um dos “gatilhos” que me impulsionaram para o
desenho e a pintura, como narrarei a seguir.
O ano escolar de 58 trouxe-me também outras novidades.
Descobri-me capaz de soluções criativas que me fizeram alcançar sucesso com o
grupo. Até então escondera ou não tivera chance de demonstrar que eu tinha
habilidade com o desenho. Passei, a partir do memento que revelei, a ser uma
espécie de desenhista oficial da escola, ajudando as professoras com os
cartazes do Dia de Tiradentes, Dia do Índio, Dia da Independência, Dia da
Proclamação da República, e outros. Iniciei aí também uma vitoriosa “carreira
política” ganhando por unanimidade todas as eleições que havia para presidente
do Clube de Leitura e para o Grêmio. Destacava-me como o melhor em redação e
impressionava pelo vocabulário extenso e maduro. Quanto à matemática, em
compensação... eu fui de mal a pior.
Impressionou sobremaneira minha professora, um desenho
que fiz retratando o incêndio no canavial da Usina. Lembro-me pouco dos
detalhes desse desenho, mas me lembro da repercussão que ele causou. Dr.
Jurandy, um dia em visita a meu pai, viu esse desenho e falou que parecia Van
Gogh. Foi a primeira vez que ouvi o nome do artista holandês.
Uma das minhas soluções mais criativas naquele ano
escolar foi durante um trabalho da aula de História, sobre a Guerra do
Paraguai, Duque de Caxias e a Batalha do Itororó. Enquanto meus colegas fizeram
o texto escrito, eu o fiz em quadrinhos contando com o ritmo e movimento das
histórias de caubóis ou das batalhas de índios contra a cavalaria, aquele
episódio decisivo da guerra contra o país vizinho. Fiz tudo a partir de uma
pesquisa séria: o combate (hoje vejo como extremamente covarde) de vinte mil
brasileiros comandados por Caxias contra cinco mil paraguaios comandados pelo
general Caballero. Itororó era o nome do rio, sobre cuja ponte travou-se um dos
momentos mais duros da batalha. O Brasil teve 295 mortos e o Paraguai, 1.800.
Gostei de fazer sucesso. Gostei que meu trabalho fosse
mostrado a todos os colegas na sala de aula daquele dia. Fiquei atento
principalmente ao modo como Maria Goretti reagiu: mesmo que ela não falasse
mais comigo, sentada três filas de carteiras à frente, voltou-se para me olhar.
E, como todos os colegas, bateu palmas a pedido da professora.
Experimentei também derrotas nesse ano. Apanhei numa
briga com um colega do qual não lembro o nome e cheguei em casa, para desespero
de minha mãe, mancando e com um hematoma no rosto. Fiquei de castigo uns dias e
descobri ali que eu não era bom de briga e que não devia mais me meter em
confusões.
Passei o ano inteiro dividindo-me entre a euforia das
brincadeiras, a ocupação com os deveres de aula e a incompreensão com Chiara,
que ressurgira num lampejo e depois desaparecera de novo. Sentia falta dela e
não entendia por que, até mesmo nos sonhos, ela havia desaparecido. Tentei
várias vezes chamá-la ao quarto de brinquedos e muitas vezes, chorei ali,
sozinho, a falta de minha amiga.
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