terça-feira, 5 de março de 2013

54- O FINAL




54- O FINAL


       
        Estava escrito. Nada podia ser feito...
S... foi, com certeza, a última participação de Chiara em minha vida. Surpreendente, porque eu pensava que o ciclo se encerrara, quando eu tomei o ônibus na rodoviária de Beagá, a caminho do Sul.
        Foi no finalzinho de julho, no ano de 1978, um domingo, depois do almoço. Sai sozinho para almoçar fora, porque me deu preguiça de fazer alguma coisa em casa. Fui ao restaurante da Pescal, um dos melhores da cidade à época. Encontrei, naquela manhã, Sérgio e Viviane, um casal amigo que me convidou a sentar com eles. Agradeci e recusei, porque matutava com uma coisa que eu não sabia exatamente o que era. Havia sonhado de forma intermitente com Chiara... seis meses depois. Alguma coisa me fazia pensar muito nela, aquela manhã. Preferi ficar sozinho. Pedi, inclusive, ao garçom que não se apressasse; que me trouxesse antes um drinque. Precisava por os pensamentos em ordem.
        Morava, nessa época, no meu primeiro apartamento em Rio Grande: na rua General Vitorino, 562, um prédio pequeno de dois andares. Eu morava no segundo, e uma escada lateral dava acesso à minha casa, escada que era isolada por uma porta no nível da rua.
        Quando eu cheguei do almoço e destranquei a porta, vi o bilhete no chão. Pensei inicialmente em Dinei e Neiva ou em Renato e Maria José, casais amigos. Ou então em Veroci, Helena ou Ieda, que também conviviam comigo. Não era nenhum deles.
       
        “Estou em Rio Grande, no Hotel Charrua. Vim ver você. Procure-me. Assinado: S....”
       
        S... era uma boa amiga de Minas, com quem, circunstancialmente, eu havia tido um pequeno caso muito agradável, um pouco antes do meu namoro com a I... . Conheci-a como amiga de Cristiane, uma pessoa para quem eu havia dado aulas particulares de desenho em 1977. Ela havia sido modelo em nossas aulas, ficamos amigos, resolvemos sair juntos um dia, e foi muito legal. Éramos maduros e ficamos naquela noite e em outras, sem compromissos maiores. Gostávamos da companhia um do outro. Eu nunca havia pensado que ela pudesse vir me ver.
        Não quero com isso dizer que fosse raro eu receber visitas de pessoas de Minas aqui no Sul. Em seis meses, eu já recebera a visita de Lúcio, meu mano, e de Sandra Cristina e Jim, seu namorado americano. Não pensava, no entanto, em uma visita amorosa desde que terminara com I e a visse voltar, numa manhã chuvosa, para Minas. Eu ainda não pensava em ter alguém aqui em Rio Grande. Literalmente, eu estava dando um tempo. Contudo, atravessando esse período carente, eu gostei de que ela tivesse vindo.
        Busquei-a no hotel. Pegamos suas malas, e ela foi se hospedar em minha casa. Criou-se o clima: o vinho daquela tarde, a lareira acesa por causa do frio, Piazzola na vitrola... Ela ficou em minha casa por sete dias. Ela cuidou de minha casa, esperou-me carinhosamente com almoços prontos, lavou meus cabelos no banho... Mas eu não queria aquilo. O tempo que eu precisava ter dado em minha vida, havia sido interrompido com aquela visita. Sensível, ela entendeu. Uma manhã deu-me um beijo, deixou um bilhete e voltou para Minas.
        Eu precisava tirar a dúvida. Senti que aquela coisa toda podia ter a mão de Chiara. Liguei para Maria Goretti, um dia depois de S... ter ido embora.
        Eu não sabia como é que se falava com Chiara pelo telefone. Até então nossos encontros haviam sido feitos de forma presencial. Eu não tinha certeza se conseguiria.
        Do outro lado da linha, Maria Goretti atendeu. Quando eu disse que era eu, imediatamente Chiara assumiu a interlocução. Não precisei vê-la, não precisei de sentir o perfume; era ela, eu tinha certeza.
        - Alô, amigo querido...
          Mesmo eu tendo ligado com esse objetivo, eu não estava preparado, eu acho, para o caso de ser ela quem realmente me atendesse.
        - Oi. Tudo bem com você?- respondi emocionado.
        - Vou ser rápida..., os pais de Maria Goretti estão dormindo e podem acordar. Sei que você está ligando por causa de S.... Eu a mandei... sem que ela soubesse, é claro. Senti que você estava muito só e sabia que se deprimiria se eu não fizesse alguma coisa. Foi para o seu bem.
        Fiquei mudo do outro lado da linha. Não sabia o que dizer. Ela tomou novamente a palavra.
        - Mais uma vez, eu vou me despedir de você. Agora será definitivo. Breve você vai encontrar o amor de sua vida e terá a sua família. Sei agora que você estará preparado. Te amo muito... vou desligar.
        Do outro lado, o telefone emudeceu. Fiquei ainda uns cinco minutos na cabine da telefônica. Pelo vidro do prédio, a garoa incessante e o vento forte demarcavam o meu primeiro inverno rio-grandino. Sai dali e atravessei a Praça Tamandaré entre bêbados e prostitutas. Era meia-noite. Aquela lugar era perigoso.
       

Em casa, acendi a lareira, abri uma garrafa de vinho e pus Misty para tocar. Fiquei ali, à beira do fogo. Arrastei um cobertor, tirei os sapatos e dormi como eu estava: de roupas. Sonhei com o jardim de labirintos. Pela primeira vez, iluminado por um sol matutino com um céu de azul intenso e sem nuvens. Misty tocava no meu sonho como se fosse uma trilha sonora trazida pelo vento. Chiara não veio se encontrar comigo dessa vez. Mas era como se ela estivesse em toda parte, nas plantas, no céu, nos ares, na borboleta dourada que em câmara lenta passou frente aos meus olhos, pousou em uma flor e depois, em um volteio gracioso, tomou o rumo do azul, sumindo como uma poeira luminosa no infinito.



FIM

Um comentário:

  1. Beto, querido! Realmente não havia visto suas postagens... Hoje tive a oportunidade de ler, não só o 52 como os outros e o final... Fiquei emocionada por ter tido a oportunidade de recordar, nos trechos e nomes citados por você, momentos também por mim vividos - só me lembro das alegrias... Achei o Máximo! Aos meus olhos, um texto super agradável, leve, interessante. Ao coração, ora triste (Tudo quanto é Amor é triste.), ora confiante. Senti-me entretida... Pena, foram tão poucos os capítulos selecionados. Gostaria de ter lido além (com discrição)... Parabéns! Bjs e saudades! Magui

    ResponderExcluir