segunda-feira, 4 de março de 2013

53- Rio Grande





53- RIO GRANDE





        Estava chegando o momento que Chiara havia previsto para nossa separação. Aquilo me deixava triste. A princípio eu tentara desafiar a previsão de Chiara a respeito do assunto de me mudar para o Sul. Cheguei mesmo a recusar o primeiro chamado de Zilá, em 1977. Em meu lugar, viria uma colega: Maria José. No final daquele ano, meus chefes da Emater, “me encheram o saco”. Pedi para sair. Telefonei para o Sul dizendo que aceitava vir. Antes, eu que conhecia apenas os estados que faziam fronteira com Minas, fui ao Acre, junto com meu amigo Guido Heleno, dar um curso de Artes Gráficas. Pela primeira vez, uma viagem de avião. Conheci uma nova realidade do Brasil, o Brasil do interior, que mais tarde eu ia rever no filme “Bye, bye, Brasil” de Cacá Diegues. Era o início do tempo das discotecas e dava pena ver arremedos dessas casas no interior acreano. Descobri ali uma outra cara do país.
        Voltei do Acre a tempo de passar o Natal e o Ano Novo com meus pais e meus irmãos. A família estava enorme com a adição de meus sobrinhos, treze ao todo nessa época. Minha mãe pediu um mapa do Brasil para ver a cidade de que eu falava. Assustou-se com a imensa distância. Eu não sabia, quando me despedi de minha mãe, que era a penúltima vez que eu a via.
        Viajei com I..., minha namorada. Na rodoviária de Beagá, no início da manhã, foram despedir-se de mim, meu amigo fiel Aluízio e sua mulher Lês-Sandar. Estava também Celso, meu colega de pensão.
        A longa viagem em ônibus leito serviu para que eu viesse conhecendo o Sul. Cheguei a Rio Grande num domingo, cinco de fevereiro, domingo de Carnaval. Fui recebido por Renato Modernell, um amigo novo. Levou-nos para conhecer o carnaval de rua da cidade. Em estado de choque, dei uma entrevista na Rádio Minuano, rádio local. Renato, amigo dos radialistas, propôs que eles me entrevistassem. Queriam saber a minha opinião sobre o carnaval de Rio Grande, como recém-chegado. Dei uma das mais confusas entrevistas de minha vida. Jantamos depois no “Restaurante e Café Dalila”, comendo uma chuleta com batatas, cheia de confetes, por obra do animado “Bloco da Cobra”, que invadiu o recinto cantando marchinhas. No dia seguinte, eu e I... fomos à praia conhecer o mar. Vimos a água achocolatada pela mistura ocasional com o barro da Lagoa dos Patos, imprópria para o banho. Além disso, aquela manhã ventosa, estava impressionantemente fria. Eu me acostumaria depois com os “humores” do mar do Rio Grande.
               
        No dia treze assinei contrato com a Universidade. Fernando Pedone, o reitor, a quem me levaram a conhecer nesse dia, disse-me que não gostava de arte moderna.
        As aulas começaram em março. No meu primeiro contato com a turma de alunas, de um lado eu olhava para aquelas trinta mulheres, que, pelo outro lado, também me olhavam com sorrisos e olhos arregalados. Meu forte sotaque mineiro era a causa daqueles olhos. Ficaram todas, minhas amigas depois. A primeira turma, a gente nunca esquece.
        Conheci, nos meus primeiros dias de Universidade, Dinei, meu futuro compadre, à época casado com Neiva, uma aluna. Conheci também um casal mineiro, Washington e Valcléria. Parecia que não me era possível esquecer Minas Gerais, mesmo morando quase na fronteira com o Uruguai. Aliás, no feriado de primeiro de maio, fui levado por Dinei e Neiva para conhecer a fronteira: cidade com uma rua de duas pistas, demarcando, de um lado, o Brasil (Chuí); e do outro, o Uruguai (Chuy).
        Levaram-me também ao Forte São Miguel. Lá um bando de moças excursionistas, em alarido como uma vez em Ouro Preto, me chamou a atenção. Repetia-se como um filme, o momento do domingo ouro-pretano: um bando de pombos, no pátio central do Forte, levantou-se ruflante, à medida que as moças alegres desgrudaram-se da guia da excursão. À frente do grupo, uma moça me olhou profundamente. Pelo uniforme colegial, pareceu-me uruguaia. Mordia o lábio inferior delicadamente, franzia o cenho e me sorriu com olhos brilhantes. Captei, na leve brisa, um aroma evanescente de gardênia. Os pombos em círculo pareciam voar em câmara lenta. O barulho das asas batendo parecia o de um disco em rotação errada. Fiquei estático, esperando tudo se assentar, o tempo voltar ao ritmo normal, aquele grupo de vozes e sons das aves se acalmar. Sentei-me no muro de pedra e chorei. A adolescente uruguaia voltou-se mais uma vez para me olhar. Disfarcei acendendo um cigarro e colocando óculos escuros para meus amigos não verem meus olhos vermelhos...

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