CRÔNICA DO SABONETE DORLY E DO
TALCO EUCALOL
Ninguém se lembra, certamente, do
perfume do sabonete DORLY. Esta marca de sabonete foi no final dos anos 50, a
única marca usada em minha casa. Meu pai comprava caixas e caixas. Não sei por
quê! Essa mania do meu pai fez com que eu arquivasse na memória este cheiro que
nunca mais senti, mas que lembro com exatidão por um desses mistérios da mente.
Lavar o rosto de manhã, as mãos antes das refeições o banho da tarde, práticas
diárias. Revejo agora no Google, a imagem que ilustrará este texto. Aproveito
pra fazer o desafio: quem mais conhecia essa marca de sabonete?
Minha vida, já escrevi várias
vezes, é regida pela memória dos cheiros. Nem sempre cheiros bons como o de
Dorly, floral, com uma pitada de canela, se é que consigo descrevê-lo.
Sempre achei que os perfumes se
acentuavam nos domingos, principalmente na minha casa. A missa da manhã, das
sete, era obrigatória. Eu, criança obedecia, por que isso faz parte do
protocolo infantil, Meus irmãos adolescentes e já rapazinhos, não tinha opção
mesmo e nem era por causa de alguma espécie de protocolo. Obedeciam e iam à primeira
missa da manhã, mesmo que os bailinhos de sábado houvessem lhes roubado a
disposição de acordar tão cedo. Mas eles eram jovens, tinham energia e tinham
bicicletas, bicicletas GORICKE com o cheiro de graxa das engrenagens. Não
precisavam fazer o trajeto da Vila da Usina à igreja a pé. Eles cheiravam
também à Brilhantina GLOSTORA que passavam generosamente nos cabelos para fixar
os topetes, pensando talvez, em prováveis olhares femininos à saída da igreja. Virtuosos,
nas bicicletas, se exibiam... Meu pai cheirava à uma loção de barba amadeirada
e minha mãe à pó de arroz. Aliás, fins de semana, a casa tinha vários cheiros: cheiro
de PARQUETINA, a cera que lustrava os assoalhos no sábado, cheiro de ANTISARDINA
que minhas irmãs usavam, possivelmente contra sardas, cheiro da revista O
CRUZEIRO, com sua tinta gráfica marrom e forte. Quem lembra? E eu ia á missa
com cheiro de Dorly, ainda do banho de tarde anterior. Sabia que na volta da
missa, um lauto café da manhã, com cheiros variados nos esperava. Só não
entendia porque eu também esperava o depois da missa se ainda não comungava? Jejum
desnecessário...
Lembro ainda de Tereza Cristina, uma
paixão precoce, que cheirava a talco EUCALOL. Por que me lembro? Por um desses
motivos que um homem não esquece: a primeira namorada. Eu tinha oito anos e já
sentia o coração bater incontrolado quando a via. Éramos vizinhos e eu passava
horas no portão, só pra vê-la na casa em frente. Não nos falávamos quase,
porque meninos e meninas, pouco se falavam. Acontece, que numa noite de
quinta-feira, houve o aniversário de Glaucia (outra menina) e todos as crianças
da Vila da Usina foram convidados. Entre brincadeiras, também se brincou de
namorar. Acho que pela primeira vez peguei na mão de uma menina de modo a
acelerar meu coração... Brincar de namorar era assim, desse jeito combinamos,
os meninos e as meninas, naquela noite. “Namorei” umas quatro desse modo. No
final, audacioso (sim, eu era!) propus-lhe que namorássemos também no domingo
de manhã, no campinho de futebol. Ela disse que sim, meu coração disparou e mal
pude esperar aquele domingo depois da missa.
Querem saber os cheiros do dia,
além daquele do protocolo da missa? O vento tinha um hálito melífluo das
Acácias-mimosas em início de primavera. Meu sapato, exageradamente engraxado
reacendia cheiros de pasta NUGGET e meu cabelo engomado pelo exagero de
Glostora não se abalava com o vento. Ela veio ao encontro comendo bolo, bolo de
chocolate, com cheiro de TODDY e me ofereceu um pedaço. Me deu a mão (sim, a
iniciativa foi dela!) e ficamos um longo tempo em total silêncio, de mãos
dadas, até que a proximidade do almoço nos separou. Simples assim. Apenas isso.
Lembro que combinamos “namorar” outras vezes, mas não aconteceu. Nunca mais
falamos sobre aquilo. Crescemos e, ironicamente, nunca fomos amigos, mesmo que nunca
tenhamos brigado. A vida simplesmente empurrou cada um de nós para um canto
diferente e ficou em mim apenas a lembrança do seu perfume Eucalol, daquela
manhã de domingo, que a memória teima em trazer de volta, sempre que um ruído
de primavera espalha no ar o cheiro melífluo das acácias. Lembrar é bom!
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