segunda-feira, 22 de setembro de 2014

CRÔNICAS DE MATOZINHOS I





A Menina de Capim Branco


Poderia ter sido um sonho, uma efeméride de primavera... mas não foi! Meu coração é muito sensível para esse tipo de registro e por isso o fato ficou marcado. Ficou a cicatriz suave que o corpo moldou, absorveu e guardou, protegidinha, no fundo do coração. O nome dela, da menina de Capim Branco, não sei... não tenho certeza. O que sei, é que ela passou um dia pela minha vida, rápida como um vento de agosto, com um perfume típico da estação do ano e assim como um cheiro de “Dama da noite” na madrugada, compungido pelo vento, desapareceu.
Saudade é uma coisa danada que quando pega a gente de jeito, faz chorar. E ando muito sentimental nos últimos tempos. Ando... “à flor da pele...” como diz Zeca Baleiro em sua música famosa. Não choro com beijo de novela porque não vejo novela, mas choro muito (e é um choro bom de lavar a alma!), com música.
Quando vim para o Rio Grande do Sul trouxe um disco muito bonito do Madrigal Renascentista cantando musicas de serestas de Minas. Consegui agora, recuperar no youtube algumas delas e agradeço à tecnologia que me deu esse presente, posto que o disco se perdeu – arranhado -, com o tempo.. Penso nesse tipo de música, serestas mineiras, que tocava no serviço de som daquela noite. Memória é fogo! Lembro do fato, com a trilha sonora adequada e faz mais de cinqüenta anos, que tudo se passou. Talvez tenha sido a primeira vez que ouvi, “Elvira escuta” e “É a ti, flor do céu”, embora na minha casa se ouvisse rádio todo. Conheço porque a memória moldou, todos os sucessos da “era do rádio”, por exemplo. Ouvindo uma noite, essas músicas mineiras, abri uma porta que estava trancada fazia muito tempo. Associação sensível, se é que me entendem...
Se querem saber onde o fato se deu, o meu encontro com a menina, digo que foi na Usina de açúcar onde eu morava. Eu tinha oito ou nove anos. ela era uns dois anos mais velha, eu suponho... e foi nas barraquinhas, montadas para arrecadar dinheiro para construção da capela da Usina. Uma festa para as crianças! Barraquinhas com joguinhos, algodão doce, garapa de cana, pipoca... e tudo ali, na porta da nossa casa. Perfeito para que nossas mães não se preocupassem. Aliás, na Usina, todos os mais velhos cuidavam das crianças como se fôssemos todos, uma grande família. E havia ainda o apoio pra a festa, vindo “lá de cima, da praça Bom Jesus”, como Manezinho Dunstan, no serviço de som e, Bernardo, cantando a víspora, por exemplo. Muita animação. Não só para as crianças. Muitos adultos também, porque naquela época qualquer coisa era motivo de festa para Matozinhos. Muita gente nas barraquinhas!
Na barraquinha dos coelhinhos, o comando era de Geraldo Junqueira, amigo do meu pai. E foi ali, que conheci a menina. Jogávamos irrisórios centavos e ganhávamos uma maçã a cada vez que acertávamos a casinha, de 1 a 10, em que o coelhinho entrava. Ganhei muitas maçãs nessa noite e a menina também. Conversávamos como duas crianças dividindo um brinquedo e lembro que ela tinha um sorriso lindo e um perfume gostoso. Ela talvez não pensasse nisso, mas eu já começava a “pensar com os hormônios”, só que eu não sabia. Sentia um frio na barriga e o coração aos saltos. Eu só queria que o tempo não passasse e que ficássemos ali, eternizados naquela parceria amiga e agradável.
Não me perdôo por não ter descoberto o nome dela. Fico triste com o azar de tê-la visto somente uma vez. Mas, cabeça de menino, sabem como é, ainda não tem a disciplina adulta que o jogo amoroso exige. Passou. Talvez eu pensasse que poderia encontrá-la de novo. Sei que meu pai era amigo dos pais dela. Vi que conversavam animadamente. A mãe dela sabia até meu nome: “Dá tchau pra Betinho, (?)! Acho que é alguma coisa parecida com “Nina”... talvez. Foi algo parecido com isso, o apelido com que a chamaram. Ela me deu tchau com um movimento de mão e um sorriso lindo e, nunca mais a vi. Foi uma das minhas primeiras paixões!
Uma vez, já adulto, lembrei do fato e tentei encontrá-la. Perguntei pra meu pai, mas ele não se lembrava do fato e nem e quem eram as pessoas com que ele conversara naquela festa. “Tenho muitos amigos em Capim Branco”, disse ele.
Tentei uma vez no carnaval e fui no Pingo de Ouro e no Salvador. Ela não estava. Eu a reconheceria com certeza! Perdi-a no tempo. Lamentável! Ficou na gaveta do coração. Às vezes eu abro e lembro com saudades.
“ É a  ti, flor do céu, que me refiro..., canta o Madrigal Renascentista.
Escorre-me uma lágrima. Saudades da infância, da pureza e da inocência. Saudades do meu primeiro amor.


Um comentário:

  1. Que lindo, Geraldo! Os nostálgicos são imediatamente contaminados pela doçura desta crônica! Adoráveis palavras, como de costume!

    ResponderExcluir