CRÔNICAS DE MATOZINHOS I
A Menina de Capim Branco
Poderia ter
sido um sonho, uma efeméride de primavera... mas não foi! Meu coração é muito
sensível para esse tipo de registro e por isso o fato ficou marcado. Ficou a
cicatriz suave que o corpo moldou, absorveu e guardou, protegidinha, no fundo
do coração. O nome dela, da menina de Capim Branco, não sei... não tenho
certeza. O que sei, é que ela passou um dia pela minha vida, rápida como um
vento de agosto, com um perfume típico da estação do ano e assim como um cheiro
de “Dama da noite” na madrugada, compungido pelo vento, desapareceu.
Saudade é uma
coisa danada que quando pega a gente de jeito, faz chorar. E ando muito
sentimental nos últimos tempos. Ando... “à flor da pele...” como diz Zeca
Baleiro em sua música famosa. Não choro com beijo de novela porque não vejo
novela, mas choro muito (e é um choro bom de lavar a alma!), com música.
Quando vim
para o Rio Grande do Sul trouxe um disco muito bonito do Madrigal Renascentista
cantando musicas de serestas de Minas. Consegui agora, recuperar no youtube
algumas delas e agradeço à tecnologia que me deu esse presente, posto que o
disco se perdeu – arranhado -, com o tempo.. Penso nesse tipo de música,
serestas mineiras, que tocava no serviço de som daquela noite. Memória é fogo!
Lembro do fato, com a trilha sonora adequada e faz mais de cinqüenta anos, que
tudo se passou. Talvez tenha sido a primeira vez que ouvi, “Elvira escuta” e “É
a ti, flor do céu”, embora na minha casa se ouvisse rádio todo. Conheço porque
a memória moldou, todos os sucessos da “era do rádio”, por exemplo. Ouvindo uma
noite, essas músicas mineiras, abri uma porta que estava trancada fazia muito
tempo. Associação sensível, se é que me entendem...
Se querem
saber onde o fato se deu, o meu encontro com a menina, digo que foi na Usina de
açúcar onde eu morava. Eu tinha oito ou nove anos. ela era uns dois anos mais
velha, eu suponho... e foi nas barraquinhas, montadas para arrecadar dinheiro
para construção da capela da Usina. Uma festa para as crianças! Barraquinhas com
joguinhos, algodão doce, garapa de cana, pipoca... e tudo ali, na porta da
nossa casa. Perfeito para que nossas mães não se preocupassem. Aliás, na Usina,
todos os mais velhos cuidavam das crianças como se fôssemos todos, uma grande
família. E havia ainda o apoio pra a festa, vindo “lá de cima, da praça Bom
Jesus”, como Manezinho Dunstan, no serviço de som e, Bernardo, cantando a
víspora, por exemplo. Muita animação. Não só para as crianças. Muitos adultos
também, porque naquela época qualquer coisa era motivo de festa para
Matozinhos. Muita gente nas barraquinhas!
Na barraquinha
dos coelhinhos, o comando era de Geraldo Junqueira, amigo do meu pai. E foi
ali, que conheci a menina. Jogávamos irrisórios centavos e ganhávamos uma maçã
a cada vez que acertávamos a casinha, de 1 a 10, em que o coelhinho entrava. Ganhei
muitas maçãs nessa noite e a menina também. Conversávamos como duas crianças
dividindo um brinquedo e lembro que ela tinha um sorriso lindo e um perfume
gostoso. Ela talvez não pensasse nisso, mas eu já começava a “pensar com os
hormônios”, só que eu não sabia. Sentia um frio na barriga e o coração aos
saltos. Eu só queria que o tempo não passasse e que ficássemos ali, eternizados
naquela parceria amiga e agradável.
Não me perdôo
por não ter descoberto o nome dela. Fico triste com o azar de tê-la visto
somente uma vez. Mas, cabeça de menino, sabem como é, ainda não tem a
disciplina adulta que o jogo amoroso exige. Passou. Talvez eu pensasse que
poderia encontrá-la de novo. Sei que meu pai era amigo dos pais dela. Vi que
conversavam animadamente. A mãe dela sabia até meu nome: “Dá tchau pra Betinho,
(?)! Acho que é alguma coisa parecida com “Nina”... talvez. Foi algo parecido
com isso, o apelido com que a chamaram. Ela me deu tchau com um movimento de
mão e um sorriso lindo e, nunca mais a vi. Foi uma das minhas primeiras
paixões!
Uma vez, já
adulto, lembrei do fato e tentei encontrá-la. Perguntei pra meu pai, mas ele
não se lembrava do fato e nem e quem eram as pessoas com que ele conversara
naquela festa. “Tenho muitos amigos em Capim Branco”, disse ele.
Tentei uma vez
no carnaval e fui no Pingo de Ouro e no Salvador. Ela não estava. Eu a
reconheceria com certeza! Perdi-a no tempo. Lamentável! Ficou na gaveta do
coração. Às vezes eu abro e lembro com saudades.
“ É a ti, flor do céu, que me refiro..., canta o
Madrigal Renascentista.
Escorre-me uma lágrima. Saudades
da infância, da pureza e da inocência. Saudades do meu primeiro amor.
Que lindo, Geraldo! Os nostálgicos são imediatamente contaminados pela doçura desta crônica! Adoráveis palavras, como de costume!
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